E elas morrem... pequenos, indefesos, de armas na mão, ou com cintos de explosivos... esta matança ocorre "por meio de fogo cruzado, minas terrestres, munições de fragmentação, artefatos explosivos improvisados ou outros indiscriminados ou mesmo no contexto de operações militares, demolições de casas, campanhas de busca e prisão ou ataques suicidas".
Na revista InfoCedi do IAC de maio de 2013, referindo-se a Amorim (*) pode ler-se que "as atividades realizadas pelos meninos-soldados são variadas. São enviados aos campos de batalha, lutando juntamente com soldados adultos, matando e sendo mortos sem qualquer distinção. Também são utilizados para fazer e testar campos minados. Realizam tarefas domésticas, como colher frutos ou co-zinhar alimentos, além de serem abusados sexualmente pelos adultos. Podem ainda ser mensageiros, atravessando fogo cruzado para levar informações de um lado para o outro."
Na mesma revista, explicam-se as razões para o uso de crianças armadas nos conflitos. Uma das razões apontadas é a ocorrência destes conflitos em países pobres, muitos deles "africanos, onde praticamente não há controle de natalidade e a expectativa de vida é baixa, a quantidade de crianças é alta e a de velhos, baixa."
Uma outra razão, parece vir da própria "natureza das crianças: como ainda estão em processo de desenvolvimento e formação de suas individualidades e caráter, obedecem com facilidade aos adultos, além de serem inconseqüentes, exatamente o que os exércitos recrutadores querem."
De facto, estas crianças são vítimas, isso não podemos negar, mas são muitas vezes também elas executores. A sua personalidade ainda está em formação, o seu caráter em desenvolvimento. "Transformam-se em seres sem autonomia, sem passado – já que sofrem verdadeira lavagem cerebral por seus recrutadores -, sem presente – já que não têm qualquer controle sobre suas ações – e sem futuro". São crianças que crescem sem sonhos. A sua "vida passa a ser vivida no dia após dia, sem qualquer expectativa."
Estas crianças acabam por ser quase que "domesticados", pelo medo: "transformam-se em seres disciplinados, completamente
controláveis e controlados." Muitas delas, assistiram a atrocidades cometidas contra membros da sua família, ficaram sozinhas, sem familiares vivos, sem ter para onde ir e sem ninguém que as possa acolher. Muitas não têm documentos que prove a sua identidade. Isso torna o seu recrutamento mais fácil por parte destes grupos.
Sullivan (**) diz que a "guerra contemporânea já não é mais domínio exclusivo dos adultos e das forças estatais," referindo-se à presença de cada vez mais crianças "em conflitos travados
por atores não-estatais: guerrilheiros, terroristas, grupos de jihad, gangues, criminosos e chefes guerreiros. Esses grupos que utilizam crianças soldados operam à margem das normas da guerra e do império da lei e deixaram de lado as proibições ao terrorismo, a ataques a não-combatentes, a tortura, à vingança e à escravidão,
que vigoraram por muito tempo."
No entanto, não é isto por falta de acordos, protocolos e documentos. Forças armadas e grupos armados são obrigados pelo Direito Internacional Humanitário a tomar medidas para proteger civis, incluindo crianças e adolescentes, que são particularmente vulneráveis em tempos de guerra.
O Conselho de Segurança da ONU tem vindo a aprovar, ao longo das últimas décadas, várias Resoluções, onde condena todas as violações que envolvem o recrutamento e o uso das crianças pelas partes em conflitos armados, tais como o Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais (1979), da ONU em que no seu Artigo 77.º, aborda a forma de como os estados devem proteger as suas crianças, bem como o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Não Internacionais (1978), também da ONU que no seu Artº 4, nº 3, identifica os cuidados e ajudas a prestar, tanto em casos de saúde, como de reunificação das próprias famílias.
Segundo o UNICEF, este e os seus parceiros "continuam a prestar cuidados e proteção às crianças e aos adolescentes que vivem em situação de guerra, advogando em seu nome e interagindo com todas as partes em conflito para garantir que os seus direitos sejam respeitados." Uma grande parte do trabalho passa por consciencializar os governos, comunidades e famílias sobre os riscos enfrentados por crianças e adolescentes em conflitos armados.
Em 2008, num documento divulgado pela organização não-governamental Human Rights Watch, denuncia o recrutamento, sob coação, ameaças, sequestros e violência física, de meninos no conflito de Mianmar. Dos 400 mil soldados, praticamente metade é composta por menores. Alguns deles passaram a integrar as linhas de combate aos rebeldes étnicos do país, após desaparecerem do convívio com as suas famílias. O rapto de crianças e adolescentes refere-se à remoção ilegal, apreensão, captura ou desaparecimento forçado de uma criança ou um adolescente, temporária ou permanentemente.
Fontes:
(*) Dissertação de Mestrado de Jan Yuri Figueiredo de Amorim (p. 49-50) -
http://repositorio.unb.br/handle/10482/2446
(**)SULLIVAN, John, 2008 -
http://www.airpower.maxwell.af.mil/apjinternational/apj-p/2008/3tri08/sullivan.htm
https://iacrianca.pt/wp-content/uploads/2020/07/infocedi46.pdf
http://www.amnistia-internacional.pt/dmdocuments/Guia_Profs_Armas_nao_sao_brinquedos.pdf
https://www.unicef.org/brazil/seis-graves-violacoes-contra-criancas-e-adolescentes-em-tempos-de-guerra
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/acervo/soldados-mirins-mianmar-435844.phtml