Nos últimos dias foi dado a conhecer pelas televisões portuguesas uma comunidade que se localiza na zona de Oliveira do Hospital e que é chamado de Reino de Pineal. Alberga um conjunto de pessoas com caraterísticas de uma sociedade verticalizada e patriarcal. Fica no extremo do distrito de Coimbra e a autarquia fez já uma queixa à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, por entender que pode não estar a ser cumprido o direito à educação e à saúde das crianças. Esta seita tem uma visão anti-social do mundo, uma necessidade de acreditar em coisas que são inimagináveis nos nossos dias - como a teoria de que a Terra é plana. As reportagens - das quais deixo os links em baixo - mostram a complexidade daquilo que aqui está em causa, da questão dos direitos e das liberdades e também das teorias em que acreditam.
O terreno onde está instalada a seita do Reino do Pineal, em Oliveira do Hospital, é propriedade de Pione Sisto, jogador de futebol dinamarquês de 28 anos. Pione Sisto é mecenas da comunidade e afirma que a seita é pacífica. O jogador afirma que o Reino do Pineal “é um dos muitos projetos ecológicos espirituais, culturais e ambientais” ao qual dedicou o seu “tempo e energia”, sentindo-se “inspirado pela sua filosofia, pelos sues ideais, princípios e forma de viver a vida”. Para Pione Sisto, "o mundo precisa de mais organizações que coloquem a natureza e o ambiente antes dos lucros". Sublinha ainda que a Fundação do Pineal vive de “forma legal” e “pacífica”, e garante que, enquanto isso acontecer, irá continuar a apoiar a organização.
A comunidade vive no meio da natureza, numa paisagem belíssima. Aparentemente, num conceito de vida alternativa, com uma grande ligação à terra. O problema são os extremos que aqui se podem estar a começar a afirmar e que por serem uma comunidade fechada ao exterior, com valores e uma autoafirmação própria de independência.
Em março de 2022, um bebé de 14 meses terá morrido alegadamente por falta de cuidados de saúde básicos que poderiam ter evitado a sua morte. Não ficou provado se houve crime, mas a verdade é que houve um bebé que foi cremado, não houve qualquer registo (nem do nascimento nem da morte) nem sequer uma autópsia. Ao que parece, nenhuma das crianças ali nascidas entretanto, estarão a ser registadas ao nascimento (nem à morte) nem estão a ter qualquer tipo de ensino. Poderá estar em causa a aplicação dos direitos fundamentais das pessoas que estão em vulnerabilidade, incluindo as crianças. Estamos em julho de 2023, e até agora o que foi feito? Pouco, uma vez que o inquérito chegou apenas esta quarta-feira à Polícia Judiciária, após denúncia em abril passado. Akbal Pinheiro, líder da seita e pai da criança em causa, disse à RTP que procurou assistência médica para a criança, mas o que foi proposto entrava em conflito com as suas crenças e diz que está disposto a colaborar com a investigação da PJ e do ministério público.
O líder da seita afirma que nenhuma lei foi desrespeitada porque as leis "deles" são as da comunidade e não as do Estado. O não registo da criança não poderia, segundo as suas palavras, ser feito porque a criança é deles e não do estado. Confuso? Atualmente, existem apenas três bebés a viver na seita, e um deles, de apenas sete meses, nunca foi sequer vacinado. Os avós - que já registaram a criança, uma vez que os pais se recusam a fazê-lo - já pediram que a criança seja retirada à mãe para que possam ficar com a sua guarda e cuidar do pequeno em condições.
O problema não é o grupo de adultos que se juntou e escolheu aquela forma de vida, o problema é o seu completo fecho ao mundo exterior e a aceitação de uma soberania própria. Apesar de o Estado não poder impor uma doutrina educativa, existem mínimos que têm de ser respeitados.
O grupo é composto por pessoas que se conheceram pela Internet e que se juntaram, construindo uma comunidade que se opõe à lógica da maioria das pessoas e que tenciona viver de forma "autónoma e independente", ou seja, à parte do próprio país, das suas leis e regras. Em 2019, estabeleceram uma eco-comunidade através da Fundação Pineal que tem bandeira, hino e passaporte próprio. O seu líder é Martin Junior Kenny, nascido e criado no Zimbabué, e que aos 20 anos emigrou para o Reino Unido, onde estudou e trabalhou como chefe de equipa.Com 36 anos mudou o seu nome para Água Akbal Pinheiro (vá-se lá saber o porquê) e atualmente é o líder fundador do Reino do Pineal. No Youtube é possível encontrar vídeos do líder do Reino do Pineal a defender inúmeras teorias da conspiração, por exemplo em 2018 colocou em dúvida a chegado do Homem à Lua e defendeu a crença de que o sol gira à volta da terra. Foi precisamente através da internet que foi acumulando seguidores até que em 2019 deixou o Reino Unido, com a sua mulher e dois filhos, para imigrar para Portugal e "estabelecer uma eco-comunidade com uma escola de mistérios espirituais".
Caracterizam-se como "nómadas viajantes com uma vocação espiritual" que escolheram "restaurar, proteger e preservar os modos de vida orgânicos, naturais, espirituais, culturais e indígenas". Autointitulam-se uma "tribo indígena, autónoma e cultural, o que inclui o reconhecimento de todas as (suas) práticas espirituais e culturais, princípios e exercícios de soberania" - palavras do seu líder durante uma reunião pública na autarquia, em que um grupo de 13 homens se apresentaram à população para afirmarem a sua independência. Se a autodeterminação é um direito, este grupo não apresenta os pressupostos necessários para se autoestabelecerem, embora se oponham de forma bem visível à soberania do próprio Estado. Pretendem ter imunidade para as leis do Estado português. Não acreditam na ciência convencional nem nos currículos educativos que segundo eles as "escolas impõem" e que estão "errados", e sendo assim preferem afastar as crianças da educação formal, em especial no que respeita à educação sobre o corpo humano e sobre a sexualidade.
À vista das populações locais, parecem ser pacíficos, não causando problemas embora se acumulem queixas anónimas sobre o grupo. A "Paraíso Imensurável" é a empresa gestora da propriedade do culto e viver nesta comunidade, onde a maioria são estrangeiros, pode custar até 30 mil euros. Pois é, se afirmam ser contra as empresas e o capital, então expliquem a relação entre esta empresa e a seita? Dizem querer afastar-se dos valores "mundanos" e globais do dinheiro, então expliquem lá isto? E usam a internet - fazem-no como, sem recorrer a empresas e a capitais? Roubam sinal do poste mais próximo, será?
Numa entrevista ao Correio da Manhã, Ana Sofia, a única portuguesa que viveu no Reino de Pineal, afirmou que durante nove meses foi alvo de manipulações e jogos psicológicos. Segundo as suas palavras, foi obrigada a não estabelecer contacto com a família e foi ainda informada que todos os habitantes deveriam queimar o seu passaporte e esperar que "fosse emitido um documento do Reino do Pineal, feito com sangue e cabelo num ritual espiritual, em que era atribuído um novo nome para que se desvinculassem cada vez mais da vida no exterior". "Eles convenciam as pessoas a largarem os seus trabalhos online e a investir todo o dinheiro no espaço, para construir o paraíso na terra". Mais uma vez, espreita aqui a questão financeira e me cheira um pouco a "burla", a vocês não? O problema não é haver quem faça isto, o problema é haver quem acredite nestas teorias e caia que nem um patinho!
Entre outros, pode ler também: https://elsafilipecadernodiario.blogs.sapo.pt/as-seitas-os-chalupas-e-as-fachadas-199068
Fontes:
https://sicnoticias.pt/pais/2023-07-19-Reino-de-Pineal-afinal-que-seita-e-esta--15140292
https://tvi.iol.pt/noticias/videos/o-terreno-em-oliveira-do-hospital-pertence-ao-futebolista-pione-sisto-onde-esta-quantos-estao-quantos-patrocinam-a-seita-do-reino-do-pineal/64b924b80cf23765eb86318c
https://www.rtp.pt/noticias/pais/reino-do-pineal-pai-promete-entregar-documentos-sobre-morte-do-filho_v1501684
https://www.sabado.pt/descodificadores/detalhe/afinal-o-que-se-sabe-a-seita-do-reino-do-pineal
https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/morte-de-bebe-reino-do-pineal-recorda-que-nao-foi-acusado-de-violar-quaisquer-leis