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Gosto de escrever e aqui partilho um pouco de mim... mas não só. Gosto de factos históricos, políticos e de escrever sobre a sociedade em geral. O mundo tem de ser visto com olhar crítico e sem tabús!
No dia 17 de junho de 2017, pelas 14:43 é dado o primeiro alerta para um incêndio florestal que já deflagrava na localidade de Escalos Fundeiros, e que rapidamente avançou sobre os concelhos de Castanheira de Pêra, de Figueiró dos Vinhos e Ansião, no interior do distrito de Leiria. Com o intenso calor e ventos fortes, as chamas galgaram montes e vales e alastraram rapidamente para os concelhos da "Pampilhosa da Serra (distrito de Coimbra) e da Sertã (distrito de Castelo Branco)."
Mais um, entre tantos incêndios a que ao longo dos anos nos estavamos a habituar. Todos os anos era assim. Chegado o verão, abria a época de incêndios e sabíamos que o norte e centro do país era sempre dos mais atingidos. Infelizmente, este não seria apenas mais um...
Este dia foi diferente. O calor estava diferente, o ar pesado, carregado, quente e uma das grandes conclusões é que não podemos falar apenas de um grande incêndio, mas sim de, pelo menos quatro, o que fez com os meios ficassem dispersos. No mesmo dia, passados apenas uns minutos do primeiro, surge um "segundo alerta para outro incêndio na região, em Góis" (distrito de Coimbra), que viria a tomar grandes proporções, alastrando para os "concelhos de Pampilhosa da Serra e de Arganil." Cerca de uma hora mais tarde, a população alertava "para o terceiro incêndio na região, em Figueiró dos Vinhos." Pelas 19h o pânico está instalado, com estradas cortadas e aldeias completamente cercadas. As pessoas tentam fugir, sem saber quais os caminhos para onde se devem dirigir. O fumo denso impossibilita a condução em segurança.
Pelas 20h41m, surge um quarto incêndio na região, em Alvaiázere, mas entretanto as comunicações estavam caóticas. Às 21h12m, o SIRESP informa "que se regista a queda de três estações da rede de comunicações – Serra da Lousã, Malhadas e Pampilhosa da Serra." A coordenação dos meios no terreno torna-se cada vez mais difícil e, numa situação em que todos os segundos contam, instala-se a incapacidade de entrar em contato com todos os veículos no terreno. Os incêndios encontraram condições climáticas favoráveis ao seu avanço e as matas mal cuidadas deixaram o alimento para que o resto acontecesse. Minutos depois e com o SIRESP praticamente em colapso, é dado o alerta para um quinta deflagração, desta vez em Penela. "Por dificuldades nas comunicações da rede SIRESP reforça-se o recurso à Rede Operacional dos Bombeiros (ROB)."
Minutos antes da notícia começar a surgir nos media, começamos a receber nas redes sociais alertas de que algo não estava bem. Amigos e familiares, não conseguindo entrar em contato com os seus familiares, iam tentando usar as redes sociais para comunicar ou, pelo menos, entrar em contato com alguém que soubesse o que por lá se passava. Por aqui, a noite estava quente, mas não imaginávamos a tragédia que estava a acontecer.
Por volta das 00h40m, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, chega a Pedrógão Grande, mas só pela 01h30m é decretado por Jorge Gomes, o plano de emergência distrital.
Não me esqueço que estava num acampamento. Estavamos perto da segurança do quartel, numa zona arborizada rodeada de casas e vedada, mas havia uma trovoada seca que se ouvia ao longe. O ar tinha um cheiro diferente e estava pesado. Conhecedores dos riscos, sabiamos que se a trovoada se aproximasse mais, teríamos de evacuar o acampamento - o nosso e os dos grupos de escuteiros que ali estavam e que nos tinham cedido as suas instalações para aquela atividade. Aqui não havia fogo ativo nas redondezas, mas era como se a noite nos trouxesse aos poucos o fumo e os gases vindos do centro do país. A desgraça já tinha acontecido quando mandamos os miúdos para as tendas. Sabíamos que era algo grave, só não sabíamos bem o quê. Ponderámos levar os miúdos de volta e, pô-los a dormir no pavilhão do quartel, mas depois percebemos que isso só os preocuparia ainda mais. Os mais velhos, já se tinham apercebido que havia algo grave e que nós não estavamos tranquilos. A noite foi passada em claro e, logo de manhã cedo, terminamos o acampamento e regressamos. Pelas 09h00 da manhã, já existe a certeza de 43 vítimas mortais. Estamos todos em choque, o país está em choque. Apenas uma hora depois, o número passa para "57 vítimas mortais e 59 feridos." Às 13h30 do dia 18, o "Governo decreta três dias de luto nacional."
Ao longo do dia, este número foi sendo atualizado, culminando em 66 vítimas mortais, 253 feridos, sete dos quais graves, e na destruição de meio milhar de casas e 50 empresas. Só no dia 24 de junho, "o incêndio de Pedrógão Grande é dado como extinto."
"Relativamente às vítimas mortais, 47 foram encontradas nas estradas do concelho de Pedrógão Grande, tendo 30 morrido dentro de automóveis, 17 nas imediações durante a fuga ao incêndio e 1 na sequência de um atropelamento." Entre os feridos, contam-se 12 bombeiros e 1 militar da Guarda Nacional Republicana. Muitas destas pessoas, acabaram por ficar incapacitados para voltar a desempenhar as suas funções e, sobrevivem com uma pequena esmola mensal que o nosso Estado lhes atribuiu.
No dia 20 de junho, uma das frentes de fogo do incêndio de Pedrógão Grande juntou-se ao incêndio de Góis, originando o maior incêndio florestal de sempre em Portugal. Alguns dias depois, era publicada uma lista com os nomes de 64 vítimas diretas do incêndio (outras duas, na altura ainda não tinham sido contabilizadas) onde os números ganham rosto e idade. Entre elas, várias crianças, famílias inteiras que ao tentarem fugir, acabaram por correr diretas para a morte. Entre elas, a minha amiga de infância, Sara que com o seu sorriso rasgado ainda hoje me faz sentir um aperto no coração.
Passaram sete anos desde a tragédia. Até agora, muito se discutiu sobre causas, falhas e culpados. Mas temos todos a certeza de que muito ainda falta fazer naqueles territórios do centro do país, a começar pela prevenção, tão falada na altura e que, ainda hoje ou não é feita ou é mal feita. "No rescaldo do incêndio, a causa apontada pelas autoridades foi a trovoada seca que, conjugada com temperaturas muito elevadas (superiores a 40ºC) e vento muito intenso e variável, fez deflagrar e propagar rapidamente o fogo. No entanto, o presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares, acredita que o incêndio não teve origem em causas naturais já que, segundo a perceção de alguns habitantes, o fogo já estaria ativo antes da trovoada."
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