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Gosto de escrever e aqui partilho um pouco de mim... mas não só. Gosto de factos históricos, políticos e de escrever sobre a sociedade em geral. O mundo tem de ser visto com olhar crítico e sem tabús!
Celebra-se hoje mais um dia da Liberdade. Mas ainda se lembram quando havia censura? Quando os livros, as notícias, os poetas eram censurados? Hoje venho escrever um pouco sobre os grandes poetas e sobre grandes intérpretes que tiveram a coragem de subir ao palco, com letras construídas metodicamente com a mestria de enganar a PIDE-DGS e passar pelos censores sem que as mensagens fossem reparadas.
A verdade é que poetas e autores, compositores e intérpretes, não ficaram indiferentes ao regime totalitário que existia em Portugal até ao dia 25 de Abril de 1974 e, através da sua arte, contribuíram para denunciar os abusos da ditadura e muitas conseguiram furar as malhas da censura impondo-se na música portuguesa.
Foi na verdade no Festival da Canção que apareceram grandes dos nomes que hoje conhecemos. Ali, se fez saber da vontade de gritar pela liberdade a plenos pulmões! Assim, não será de estranhar que a canção que se associa ao 25 de Abril de 1974 é aquela que nasceu (pensavam os censores da altura) "apenas" como um lindo poema de amor. Embora não tivesse sido a primeira escolha, o facto de ter sido aceite no Festival e de passar despercebida, fez com que fosse a escolhida como a primeira senha do movimento dos capitães. A canção "E Depois do Adeus" com letra de José Niza e música de José Calvário, foi brilhantemente interpretada no Festival da Canção e no Festival da Eurovisão pela voz de Paulo de Carvalho.
Outra canção que eu adoro e que nunca me canço de ouvir, pela voz grandiosa de Simone de Oliveira, é "A desfolhada", escrita por Ary dos Santos, em 1969 e com música de Nuno Nazareth Fernandes. Esta canção vem recheada de várias metáforas. Cantou Simone com a sua grandeza, Quem faz um filho, fá-lo por gosto, numa época em que era pecado a mulher ter prazer no ato sexual, dando uma autêntica pedrada no charco na hipocrisia e falsa moral vigente.
Em 1971, cantou no Festival da Canção Fernando Tordo a canção "Cavalo à Solta", onde só a ideia de liberdade já arreliava a PIDE. O poema, também era do mestre Ary dos Santos.
Em 1973, volta a dupla Fernando Tordo e Ary ao Festival com a canção "A Tourada", que foi uma genial critica ao antigo regime através de metáforas tauromáquicas. Depois da vitória desta canção no Festival, o então governo, ainda ponderou não enviar a canção à Eurovisão, mas o escândalo internacional, numa Europa esmagadoramente democrática, seria bem mais prejudicial e a canção lá foi até ao Luxemburgo. A mensagem estava lá e é incrível pensar como é que a censura não compreendeu que na letra deste poema não se falava afinal do espetáculos de touros e toureiros, mas sim do antigo regime, numa crítica extremamente inteligente e com um retrato fiel da sociedade de então:
"toureamos ombro a ombro as feras | ninguém nos leva ao engano | toureamos mano a mano | só nos podem causar dano esperas."
Neste mesmo ano regressa Simone de Oliveira com a canção "Apenas o meu povo", que lhe valeu o Prémio de Interpretação. Um poema de inconformismo e de uma certa revolta contra quem pretendia tirar a esperança ao povo que governava com mão de ferro
Ainda no Teatro Maria Matos no dia 26 de Fevereiro de 1973, com letra da autoria de Ary dos Santos é apresentada a concurso a canção "É por isso que eu vivo", interpretada por Paco Bandeira. Conseguiu o segundo lugar, com um poema que dizia que: "Eu sou a palavra lavrada e aberta, eu sou a raiz, eu sou a garganta de um homem que fala e sabe o que diz, eu sou o silêncio das trevas que penso, das coisas que digo, sou filho do tempo, sou fúria do vento, sou força do trigo." E voltava a estar lá o tal clamor, a crítica à censura e ao obscurantismo, a revolta contra a falta de liberdade e a opressão.
São tantas as letras que aqui poderia colocar, mas vou apenas falar de mais uma, já no ano de 1974. O grupo Green Windows cantou nesse ano, a canção de José Cid, "No dia em que o rei fez anos", conseguindo um brilhante 2º lugar. A letra conta como é que no dia em que um rei faz anos, esse mesmo rei é deposto e como todos (o povo) saem à rua para celebrar a liberdade:
"Vieram tribos ciganas, saltimbancos sem eira nem beira, evitaram a estrada real, e passaram de noite a fronteira, e veio a gente da gleba, mais a gente que vivia do mar, para enfeitar a cidade, e abrir-lhe as portas de par em par para libertar a cidade leia-se o país…
…lá vai rei morto rei posto, levado em ombros p’la grei, e a festa continuou, já que ninguém tinha nada a perder, só ficou um trovador, p’ra contar o que acabava de ver."
A canção faz parte das comemorações do 25 de Abril. Lembremos sempre estes valentes que lutaram não com armas mas com a sua voz e com a sua capacidade de poetizar o dia a dia de um povo oprimido.
Fontes:
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