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Caderno Diário

Escrever é algo que me apraz. Ante a minha vontade de criar, muitas vezes me falta tempo. Aqui passo da vontade à prática. Este é um caderno onde escrevo sobre a minha vida pessoal e temas da atualidade que me fazem refletir.

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Escrever é algo que me apraz. Ante a minha vontade de criar, muitas vezes me falta tempo. Aqui passo da vontade à prática. Este é um caderno onde escrevo sobre a minha vida pessoal e temas da atualidade que me fazem refletir.

Do 1º Encontro da Canção Portuguesa às músicas de abril

Quando se fala na revolução de abril, lembram-se os cravos distribuídos, os tanques que percorreram Lisboa, fala-se dos abraços entre militares e populares, fala-se de um dia belo. Esquecem-se - apenas por alguns momentos - as dores de tantos anos de ditadura, as marcas na carne dos que sofreram às mãos da PIDE... e quase que se conseguem esquecer as colónias e os que lá morreram antes e depois da revolução... e os portugueses que lá lutaram e foram mortos, estropiados no corpo e no pensamento.

Quando se lembra abril lembram-se as canções. Os compositores, músicos e cantores que, de uma forma  diferente, emprestaram as suas letras à revolução e que assim também lutaram ao lado dos militares revoltosos que conseguiram derrubar o Regime. Lembram-se os radialistas que transmitiram as senhas, os jornalistas, que a medo mas com uma grande vontade, deram a sua voz à leitura dos comunicados do MFA. 

As canções de abril não foram escritas para a Revolução. Foram feitas, anos antes, mas são ainda hoje um grito! Conseguiram ser em alguns casos uma forma de ludibriar o famigerado "lápis azul" da censura e trouxeram mensagens de revolta e de esperança.

Em Portugal, desde o final dos anos 60, houve um movimento de artistas populares e empenhados, quase todos de esquerda, que quiseram contribuir para o desenvolvimento de uma consciência política através da canção.

Na noite de 24 para 25 de abril de 1974, soou às 22h55m "E Depois do Adeus", de Paulo de Carvalho, transmitida pelo radialista João Paulo Diniz da Emissora Nacional. A canção não tinha uma letra perigosa, e ganhara o Festival RTP da Canção de 1974, sendo apresentada no Festival Eurovisão da Canção de 1974.

Cerca de 30 minutos depois, dá-se vez na Rádio Renascença, emissora católica portuguesa, à transmição da canção de José Afonso, "Grândola, Vila Morena", que foi a segunda senha para o avanço das tropas sobre os seus objetivos. Numa primeira instância, foi escolhida a canção Venham mais cinco de José Afonso, no entanto, quando já se acabara o período de preparação, descobriu-se que a canção estava incluída na lista de músicas banidas da Rádio Renascença, emissora católica, e estava barrada de passar no programa Limite da estação de rádio, como estava a ser planeado.

Sobre "Grândola, Vila Morena", José Afonso (carinhosamente, Zeca) escreveu este poema em 1964 aquando de uma visita a Grândola, em homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. A letra, só se tornou canção em 1971, quando foi gravada em França, à revelia, tornando-se em 1974, o hino da Revolução. O álbum, "Cantigas do Maio", onde consta esta letra, contou com os arranjos e a direção musical de José Mário Branco,  

Zeca Afonso, passou vários anos nas prisões políticas do Estado Novo, e, após o fim da sua sentença, escreveu, cantou, e deu concertos, assim como fez discos que eram clandestinos ou intensamente censurados. O seu nome era proibido nos jornais, pelo que, para evadir a censura, o seu nome era escrito ao contrário, "Esoj Osnofa" - o que me leva a crer que os próprios censuradores não eram assim tão inteligentes.

Um mês antes do 25 de Abril de 1974, realizou-se no Coliseu dos Recreios, a 29 de março de 1974, o I Encontro da Canção Portuguesa, de protesto e de denúncia da ditadura do Estado Novo. Foi muito difícil de realizar, devido à censura que proibiu a maioria das canções, mas apesar de tudo, o Coliseu ficou sem nenhum lugar livre e na rua juntou-se uma multidão. 30 canções e poemas foram proibidos, mas não conseguiram proibir o encontro devido ao grande número de populares ali concentrados. Se calhar, ali foi o sinal de que a população só estava à espera do momento certo, do sinal certo, para sair à rua. A Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), prontas para dispersar a multidão pela força, acabaram por não receber essa ordem e decidiram ser melhor deixar o espetáculo avançar.

Os artistas decidiram atuar por respeito pelo público, apesar das péssimas condições de som. Após a primeira apresentação, que não conseguiu compensar a fervura do público, as pessoas ali presentes começaram num coro disperso a canção "Canta, canta amigo," de António Macedo, que era conhecida nos meios de oposição, e que teve de ser terminado bruscamente pelos músicos. Depois da atuação de Carlos Alberto Moniz e de Maria do Amparo e da atuação de Carlos Paredes, com a sua guitarra, o público acalmou.

Atuaram nomes grandes como José Carlos Ary dos Santos, que rendeu o público, com a sua poderosa arte declamatória, Fernando Tordo, Tonicha, Manuel Freire, José Barata Moura,  Intróito, Adriano Correia de Oliveira e, claro,  José Afonso. As duas horas e meia do memorável espetáculo foram gravadas pela equipa do programa "Limite" da Rádio Renascença 

Na plateia do I Encontro da Canção Portuguesa, estariam presentes vários dos capitães que tiveram um papel no 25 de Abril, que já estava numa avançada fase preparatória. Nessa altura, já se tinha determinado que o sinal para começar as operações seriam duas canções emitidas através da rádio. A Rádio Renascença foi escolhida pois os meios de comunicação dos militares não tinham cobertura pelo país inteiro, pelo menos não de forma fiável e audível.

A 30 de abril de de 1974, José Afonso foi até ao aeroporto de Lisboa receber companheiros anteriormente exilados, principalmente José Mário Branco e Luís Cília, que produziam desde 1960 os discos dos que em Portugal não o conseguiam fazer. 

 

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A2ndola,_Vila_Morena

https://www.youtube.com/watch?v=XBq3JV1U4UQ

https://www.rtp.pt/programa/radio/p1994/e20140424