Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Arte em tempo de guerra

por Elsa Filipe, em 29.06.23

Quando falamos num conflito como o que afeta o Sudão, a última coisa de que nos vamos lembrar é de arte. Será? Hoje senti um pequeno aperto ao ler esta notícia do Observador, em que o dono da Downtown Gallery, afirma (em declarações prestadas à Agência Lusa), que não era da guerra que pensava que ia falar quando esta exposição começou a ser preparada com a Brotéria, em Lisboa, há mais de um ano. As obras de arte, que entretanto vieram para Portugal, acabaram por ser as poucas que escaparam ao conflito que afeta o país. 

Rahiem Shadad, sudanês e um dos curadores da exposição, fala da violência nas ruas e refere que as três dezenas de obras, de nove artistas sudaneses que entretanto fugiram para o Egito, para Espanha, ou para regiões do Sudão mais afastadas das zonas de combate, são, nalguns casos, as poucas que restaram do trabalho que estes desenvolveram nos últimos anos. A destruição não poupa museus, galerias de arte, ateliers ou escolas.

Rahiem Shadad, dono de uma galeria no bairro que reunia a maior parte delas e dos ateliers de artistas em Cartum, foi uma das muitas pessoas que não conseguiu ainda regressar à sua terra. Rahiem, saiu do Sudão com a família no final de março para o que, pensava serem apenas duas semanas de férias no Egito, mas a guerra começou e não puderam voltar, permanecendo até agora no Cairo.  

Depois de Lisboa, estas obras que escaparam à guerra no Sudão vão estar em Berlim, em novembro, e o objetivo para já é que passem também pelo menos por Madrid e Paris.

Falando aqui de outros conflitos (poderia ir muito mais atrás à Primeira ou à Segunda Guerras Mundiais) a realidade, seja qual for a zona do mundo, é a mesma. Não é a arte a primeira a ser protegida (como é óbvio, o foco está na vida humana e nos bens essenciais), e por isso muito se tem perdido pelo mundo pela destruição deliberada ou "acidental" de museus e galerias. Logo dois dias depois do início da invasão da Ucrânia, foi divulgada a destruição do Museu Ivankiv, situado na região metropolitana de Kiev. Aqui terão sido destruídas 25 obras de uma das principais artistas ucranianas, Maria Prymachenko. As suas obras, exuberantes nas cores e formas, retratavam a história e o quotidiano do país e do folclore, em pinturas, desenhos, cerâmicas e bordados.

Entretanto, os bombardeamentos russos já destruíram, total ou parcialmente, outros locais de elevada importância cultural, como o Museu de Arte em Kharkiv, com mais de 25.000 obras de arte. Ocorreram também já bombardeamentos próximos do memorial do Holocausto Babi Yar, em Kiev, local onde, em 1941, mais de 34 mil judeus foram fuzilados pelos nazis em apenas dois dias. O que se pode fazer para preservar a história de um país representado pela sua herança cultural e pelos seus artistas?

Efetivamente, o património cultural material do mundo é uma herança comum que marca a identidade e constitui uma inspiração para toda a humanidade, tendo o poder de nos unir e de promover a paz. 

Infelizmente, as guerras procuram apagar a identidade, a consciência coletiva e a memória cultural de um povo através da destruição de obras de arte. Procurando evitar que isso aconteça na Ucrânia, os funcionários do Museu Nacional Andrey Sheptytsky, o maior museu de arte deste país, localizado em Lviv, próximo da fronteira com a Polónia, embrulharam e retiraram já obras deste museu, para protegê-las.

Em 1954, depois da Segunda Guerra Mundial, foi criada na Convenção de Haia o “Escudo Azul” que procurava a proteção de bens culturais em situações de guerra. No artigo 53º da Convenção de Haia para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Conflito Armado está explicito que são proibidos “quaisquer atos de hostilidade dirigidos contra monumentos históricos, obras de arte ou locais de culto que constituam património cultural ou espiritual dos povos”, sob pena de serem considerados crimes de guerra.

Infelizmente, isso parece nunca ser cumprido.

Fontes:

https://observador.pt/2023/06/29/sudao-ha-arte-que-escapou-a-guerra-e-pode-ser-vista-em-lisboa/

JESUS, Saúl Neves - https://postal.pt/edicaopapel/como-sao-tratadas-as-obras-de-arte-durante-a-guerra/

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 21:55



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.



Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D