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Assinala-se hoje uma data importante no nosso país, que ainda hoje se mantém envolta em polémica e que marcou o fim do PREC. Nesta data, consolidou-se o espírito de liberdade conquistado no dia 25 de abril de 1974. Faz parte da nossa história, mas pouco ou nada se fala sobre esta data. Muito menos é mencionado nas escolas. 

De um lado os militares moderados e os partidos de centro esquerda e de direita, como o PPD, o CDS e o PS, e do outro os militares extremistas com o PCP, a UDP e outras forças partidárias dessa área de apoio. Após meses de tensão em que se registaram manifestações de  rua, sequestros da Assembleia da República e ameaças diversas, assinalaram-se movimentações e a ocupação de pontos estratégicos através da utilização de unidades de para-quedistas identificadas com a extrema esquerda.

Hoje o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, numa celebração da autarquia mas que poderá um dia vir a ser um acontecimento a nível nacional, quebrou as barreiras e ignorou as divisões que a data tem levantado. No seu discurso, afirmou que celebrar o 25 de Novembro de 1975 é "cada vez mais importante", considerando que foi neste dia "que a democracia venceu o extremismo". A democracia, é isto, é podermos festejar, se quisermos, uma data que foi importante, trazendo para a atualidade os valores defendidos há quase cinquenta anos e pensando que mais do que nunca é preciso falarmos sobre democracia e liberdade. "O poder militar pretendia ser o motor do poder político, alguns queriam que a legitimidade revolucionaria substituísse a legitimidade eleitoral", acusa Carlos Moedas, destacando que nesta altura "havia modelos de totalitarismo para todos os gostos". Esta foi uma celebração envolta em polémica e da qual iremos certamente voltar a ouvir falar. Mas não deixa de ser um ato de coragem, trazer nesta altura para o plano da discussão política, uma data que foi até certo ponto "apagada", por continuar até hoje envolta em polémica. 

Carlos Moedas apontou os "heróis" dessa data, nomeadamente o general Ramalho Eanes, Jaime Neves, Melo Antunes e todos os militares do grupo dos 9, enaltecendo "os militares moderados que souberam interpretar a vontade do povo português - que sabiam que a legitimidade do voto é a única legitimidade que conta numa democracia." Nem todos estiveram de acordo com as suas palavras, nem tão pouco com as celebrações de hoje. 

Poucos se lembrarão que, depois do 25 de abril, Portugal esteve prestes a entrar numa guerra civil, com a divisão das Forças Militares em que de um lado havia a esquerda radical e do outro a chamada direita militar. No dia 25 de Novembro de 1975, três militares morreram na Calçada da Ajuda, dois comandos ligados à chamada direita militar e um da polícia militar ligado ao Movimento das Forças Armadas. Nesta data, o povo consolidou a liberdade adquirida em abril e renovou o desejo de não deixar crescer uma outra ditadura que se começava a implantar.

Era preciso dizer não aos radicalismos, tal como o é hoje. Era necessário haver entendimentos e reformas e não deixar crescer os extremismos. Os mesmos que hoje já crescem pela Europa e que ameaçam as democracias. Portugal corre hoje o mesmo risco que corria há quase 50 anos atrás.

No dia 12 de novembro de 1975, dezenas de milhares de trabalhadores manifestaram-se junto ao Palácio de São Bento, reivindicando ser atendidos pelo Ministério do Trabalho. Os trabalhadores colocaram-se todos juntos nas escadas do palácio com faixas e bandeiras vermelhas. Perante a recusa, a manifestação radicalizou-se, e mobilizou-se contra o VI Governo Provisório, que suspendeu funções dia 20. Chegou mesmo a haver helicópteros no ar para levar mantimentos aos cercados em Belém e um pedido feito pelo Primeiro-ministro da altura para que ele e outros fossem resgatados, o que foi recusado pelos Comandos. A paralisia foi total, e o governo declarou efetivamente que não iria fazer nada "político", e anunciou que "estamos em greve, todos estão em greve, o governo também está em greve", agindo unicamente a título administrativo até à resolução do conflito de poder. O governo ameaçou também exilar-se no Porto, onde poderiam ser de certa forma protegidos por agricultores e camponeses no Norte que ameaçavam cortar o fornecimento de alimentos à "comuna vermelha de Lisboa". Isto mostrou o enfraquecimento do Estado e do poder político, num "confronto clássico de poder"

Na madrugada do dia 25, Vasco Lourenço é declarado comandante da Região Militar de Lisboa (RML) pelo Conselho da Revolução (CR). Os paraquedistas ocuparam rapidamente várias bases aéreas, assim como o Estado-Maior da Força Aérea, do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS), que, pouco depois montou um aparato militar em várias zonas, e das tropas da Escola Prática de Administração Militar (EPAM), que ocuparam os estúdios da Rádio e Televisão de Portugal e controlaram as portagens da autoestrada do Norte. Por volta das sete da manhã, os paraquedistas ocuparam o comando da 1.ª Região Aérea e prenderam o seu comandante. Aqui, é dado o alerta à Presidência da República que "o 'golpe' está na rua". 

Um dos grupos envolvidos, chamado o Grupo dos Nove, deslocou-se até Belém, e o Presidente Costa Gomes assumiu a liderança. Pensa-se que este grupo formulara um plano para executar um golpe militar, que restituísse a hierarquia nas Forças Armadas. As medidas providenciais levaram à desmobilização popular, numa altura em que a população começava a cercar os vários pontos militares, o que poderia levar à distribuição de armas. Otelo Saraiva de Carvalho, anteriormente desaparecido, regressou a Belém, onde também teve um papel determinante. Francisco Costa Gomes decretou o estado de sítio na RML às 16h30. Houve no resto do dia diversas tentativas dos sublevados de tentar reverter a situação, desfavorável para si, e ofensivas dos moderados. Ao longo deste dia, os sublevados continuaram a perder posições, e a situação começou a normalizar-se. Jaime Neves, pouco após das 19h, saiu com uma força do RC da Amadora e cercou as instalações da Força Aérea em Monsanto, resultando na rendição de seus ocupantes. O domínio dos meios de comunicação passou a ser o objetivo mais importante. A Emissora Nacional, às 20h45, mudou a sua emissão para o Porto. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil convocou uma concentração junto à sede do sindicado através do Rádio Clube Português (RCP). O CR interviu, e convocou um destacamento da Escola Prática de Cavalaria de Santarém a Porto Alto, que continha os emissores de onda média, e, às 22h10, a emissão do RCP foi interrompida. As emissões da RTP passaram a ser feitas no Porto. No decorrer da noite, a situação começa a acalmar. 

No dia 26, o Conselho da Revolução decidiu dissolver o COPCON, e ordenou a presença de todos os seus comandantes no Palácio de Belém. Infelizmente, apesar de estarem perto, existiu uma falha na comunicação entre as forças de Jaime Neves que sitiavam a PM, e o Palácio de Belém. Após várias ligações com o major Campos Andrada, Vasco Lourenço conseguiu fazer com que se apresentasse em Belém. Apesar de tudo, o ataque não foi suspenso, e causou três mortos.

No dia 27, a conjuntura continuou a normalizar-se, e no fim da tarde o COPCON foi cercado e ocupado pelos comandos da Amadora, resultando em nove detenções, das dezenas de oficiais já encarcerados em Custoias. A Base Aérea do Montijo foi desocupada durante a noite. Costa GomesMorais da SilvaMelo AntunesPires Veloso, entre outros, falaram na televisão com o objetivo de acalmar a população. Apesar de ainda que não controlarem todas as unidades, os moderados estavam à beira da vitória. Ainda falta haver consenso se houve, ou não, uma tentativa de golpe de Estado, e quem foram os responsáveis.

Existe ainda uma grande polémica sobre a questão da distribuição das armas a civis e do  possível envolvimento do PS na preparação de uma futura intervenção estrangeira em Portugal. Em causa, o facto de Mário Soares de ter reunido com o primeiro-ministro James Callaghan para coordenar a ingerência militar do Reino Unido em Portugal caso irrompesse um golpe comunista, ao qual respondeu positivamente, garantindo o apoio, e despachou um oficial dos serviços secretos britânicos. Se houvesse a eclosão de uma guerra civil, Mário Soares contaria com vários tipos de operações clandestinas, apoio logístico aos militares moderados e a utilização de meios aéreos e marítimos para abastecimento na zona norte. De acordo com o ex-primeiro-ministro Vasco Gonçalves, a deslocação de Mário Soares ao Norte, no dia 25, fazia parte do plano, uma vez que seria ele o líder da resistência civil, e a sua segurança e liberdade teria, assim, de ser asseguradas, se ocorresse a tomada de Lisboa pelas forças revolucionárias.

Nada disto é falado e é como se (até hoje) todos tivessem feito um pacto de silêncio sobre os verdadeiros acontecimentos daqueles dias. Podemos pesquisar e encontramos muito mais perguntas do que respostas e, até, a comunicação social da altura, teve atitudes diferentes perante os acontecimentos em causa.

Em todos os jornais, se destacou os acontecimentos destes dias, inclusivé das manifestações ocorridas. Tal como em várias outras publicações, no 25 de novembro de 1975,  no semanário "O Jornal," destaca como o país se encontra em crise, com o título: A crise da semana: Governo de braços caídos”. No interior do jornal, havia uma página dedicada aos“quatro malditos” do VI Governo Constitucional: Tomás Rosa (ministro do trabalho), Ferreira da Cunha (secretário de Estado da Comunicação Social), Almeida Santos (ministro da Comunicação Social) e Marcelo Curto (secretário de Estado do Trabalho), os quais eram assim apelidados por sobre eles recaírem "as críticas mais violentas das forças situadas mais à esquerda da conjuntura revolucionária portuguesa”.  Num outro artigo, dá ainda conta da morte de Franco, “o último ditador da Europa”, que morreu no poder, chamando de certa forma a atenção para o futuro que "resta aos espanhóis", num obituário, escrito por Javier López, que não esconde a felicidade pela perda. Este artigo, não esconde uma mensagem para o povo português, na palavra "último", para que abra os olhos e não deixe que o extremismo regresse ao país.

 

Fontes:

https://sicnoticias.pt/pais/2023-11-25-Celebrar-o-25-de-Novembro-porque-todas-as-datas-contam-0597e22f

https://ionline.sapo.pt/artigo/808624/25-de-novembro-e-o-dia-do-triunfo-da-democracia?seccao=Portugal_i

https://www.tsf.pt/portugal/politica/comemorar-abril-e-exercicio-incompleto-moedas-diz-que-25-de-novembro-ditou-vitoria-da-democracia-17398595.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_de_25_de_Novembro_de_1975

https://ensina.rtp.pt/artigo/o-25-de-novembro-de-1975/

 

 

 

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publicado às 19:58

A República e o Dia Mundial do Professor

por Elsa Filipe, em 05.10.23

Celebra-se hoje em Portugal a Implantação da República, que ocorreu a 5 de outubro de 1910, como resultado de uma revolução organizada pelo Partido Republicano Português iniciada no dia 2 do mesmo mês. A revolução, esteve quase a falhar e muitos chegaram a achar que tinha mesmo falhado.  

"As tropas monárquicas estacionadas no Rossio", em Lisboa, estavam com a moral em baixo, devido ao risco "de serem bombardeadas pelas forças navais".

"No quartel-general discutia-se a melhor posição para bombardear a Rotunda. Às três da manhã, Paiva Couceiro partiu com a bateria móvel, escoltado por um esquadrão do guarda municipal."

"O 5 de outubro desenrolou-se sobretudo na Rotunda, onde os militares republicanos se sitiaram, e no Tejo, onde os bombardeamentos da Marinha puseram em fuga o rei. A indefinição das forças monárquicas entre defender o Rossio ou atacar a Rotunda, associada a uma manobra diplomática, precipitou a implantação da República, cuja base de apoio social era o operariado e a pequena e média burguesia."

Às 9h do dia 5 de outubro, "José Relvas, à frente de uma delegação do Partido Republicano, proclamou a implantação da República, na varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. A monarquia em Portugal chegava ao fim, tendo o rei D. Manuel embarcado nessa tarde, na Ericeira, para o exílio."

"A República foi implantada no resto do país por telégrafo, não se registando incidentes de maior, ao contrário do que aconteceu em Lisboa, em que se contaram cerca de 70 mortos e 300 feridos, a maior parte deles civis vítimas de fogo cruzado, que quiseram testemunhar os acontecimentos." Acabava assim a influência da Monarquia no nosso país. Portugal foi dos primeiros países da Europa a tornar-se república e a abdicar da monarquia, sendo que o governo provisório que ficou a governar Portugal depois da Revolução, era chefiado por Teófilo Braga.

Celebra-se hoje também, mas a nível mundial, o Dia do Professor, que acho que não se deve deixar passar, de acordo com o que se está a passar no nosso país com esta classe profissional. Como afirma a FNE, "os professores são o coração da educação." Infelizmente, ser professor já não é tão valorizado como era há muitos anos e "em muitos países, muitos estão a abandonar a profissão que amam e há menos jovens que desejam tornar-se professores."

Este dia, foi instituido pela UNESCO, que "estima que o mundo precise de mais de 69 milhões de novos professores até 2030", apontando "o sul da Ásia como a região do mundo que mais progressos fez para combater a falta de professores, mas onde, ainda assim, faltam 7,8 milhões de professores." 

Segundo a UNESCO, "um terço dos professores em falta no mundo dizem respeito à África subsariana, enquanto a Europa e a América do Norte (...) ocupam o terceiro lugar nas regiões do globo com maior falta de professores."

Fontes:

https://ensina.rtp.pt/explicador/a-implantacao-da-republica/

https://www.cm-benavente.pt/informacoes/noticias/item/3734-implantacao-da-republica-5-de-outubro-de-1910

https://observador.pt/2023/10/03/unesco-estima-que-faltem-44-milhoes-de-professores-no-mundo-em-2030/

https://fne.pt/pt/noticias/go/acontece-dia-mundial-do-professor-2023--os-professores-que-precisamos-para-a-educacao-que-queremos

 

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publicado às 19:32

A 1 de julho de 1922, o Teatro Maria Vitória, aquele que é o mais antigo do Parque Mayer, e que ficou conhecido como a "Catedral da Revista", fez a sua primeira estreia com a peça "Lua Nova," da autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos. A peça do género teatro de revista, fazia uma retrospetiva, "em jeito de piada, dos principais acontecimentos do ano anterior."

Na fachada do novo Teatro de Lisboa, o nome "Maria Vitória" imortaliza a jovem fadista e atriz de apenas 26 anos que com a sua voz forte já era um sucesso na capital e no país. A jovem, conhecida, entre outros com o "fado do 31", tornou-se uma lenda e ainda hoje é lembrada. 

"O Parque Mayer surge como uma tentativa de revitalizar as tradicionais feiras itinerantes que, no início do século XX, eram pontos de entretenimento para os lisboetas - desde a conhecida Feira de Agosto, no parque Eduardo VII, à Feira de Santos, que foi proibida em 1919 devido à instabilidade noturna."

Mas no palco do Maria Vitória não passou só revista. Ali também era "possível assistir a comédias musicadas, operetas - como “Quebra-Bilhas” (1930) e as “Lavadeiras” (1933) - ou à proclamação de poemas." Algumas das revistas com mais destaque da sua história, foram "as revistas Foot-ball e Rataplan. Nesta, contava-se a "história de Artur Alves dos Reis, um burlão que falsificava notas de 500 escudos quase impercetíveis aos olhos dos especialistas de contrafação." 

Foram muitos os nomes que se estrearam ou que passaram pelas tábuas do Maria Vitória, entre eles, Amália Rodrigues, que também ali se estreou em 1940, na revista “Ora Vai Tu." E ali conheceu "o compositor Frederico Valério." Também aqui se estreou Io Appolloni, em 1965, na revista “Sopa de Mel." Marina Mota, Carlos Cunha e Fernando Mendes também ali se lançaram.

O que fez do teatro de revista um género não só do povo, mas também de todas as classes sociais, foi desde sempre a forma como retratava a verdade do país. E também por isso, sofreu as agruras da ditadura. "Quando, a 28 de maio de 1926, o golpe de Estado liderado pelo general Gomes da Costa proclama o início da segunda República Portuguesa - mais conhecida como Estado Novo -, a revista Ás de Espadas cantou o movimento militar. A população estava habituada a revoluções constantes desde a implantação da República, em 1910, e desvalorizou a importância de mais um movimento militar."

Já calada com a "Lei da rolha" que sentiu durante a monarquia, a Revista vem então a sentir os cortes da Censura, nos seus textos. Mesmo assim, é com muita arte, que se continua a fintar muitos dos cortes do "lápis azul."

Na revista “O Banzé”, em 1939, tem disso um bom exemplo. Posta em cena logo depois da "declaração de guerra à Alemanha que daria início à II Guerra Mundial, tinha um quadro onde a “Taberna Inglesa”, o “Hotel França” e a “Casa Alemã” disputavam entre si a "anexação de um armazém." Nunca chegou a subir ao palco devido aos cortes efetuados pela censura. 

Era preciso ter um selo branco que aprovasse cada uma das páginas do guião, o que tornava o "processo de produção de uma revista" já de si complexo, ainda mais difícil e demorado. A Comissão da Censura "analisava a escrita e cortava palavras, falas ou até mesmo números inteiros. Os empresários iam buscar os guiões, apresentavam aditamentos e correções, num vai e vem que não tinha fim à vista." 

Mas também tinham vários truques para escapar aos censores. Um deles eram os "trocadilhos" que faziam parte dos textos, que com muita imaginação e inteligência, conseguiam "ludibriar os censores." Além dos truques para enganar a PIDE, no Maria Vitória havia um camarote - o cinco - que "estava sempre reservado para receber os censores ou outros representantes do Estado Novo que, para o ocuparem," precisavam de mostrar na entrada o respetivo cartão ao fiscal. Assim, se esse camarote estivesse ocupado, os atores já sabiam que a PIDE lá estava e, claro, reprimiam um pouco mais algumas piadas. Foi no teatro que se denunciou a "independência da Guiné." A revista, afinal de contas, era "uma forma de cultura expressiva, já completamente entrosada no país desde meados do século XIX" e, por isso, não era proibida.

Na madrugada de 25 de abril, o Maria Vitória era o único palco com espetáculo a decorrer no Parque. Enquanto na Rádio Renascença, a música "Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, tocava, via-se ainda no Maria Vitória a revista “Ver, Ouvir e Calar”, que tinha sido "escrita por Aníbal Nazaré, Henrique Santana e Henrique Parreirão" e que depois se passou a chamar "Ver, Ouvir e Falar" fazendo jus ao espírito revolucionário. A revista “Até Parece Mentira” foi a primeira revista criada para o palco do "Maria Vitória em tempo de liberdade."

No dia 10 de maio de 1986, um incêndio deflagrou no Maria Vitória e destruiu o teatro. A companhia do Maria Vitória continuou o seu trabalho, mas durante esse período fê-lo no teatro Maria Matos e "só regressou a casa em 1990" quando as obras terminaram e foi permida a estreia da "revista Vitória! Vitória!."

Atualmente, Hélder Freire Costa, nascido "nas Janelas Verdes," em 1941 é "o último a resistir", contando já com 55 anos no Maria Vitória. Reclama que aquela casa, está a precisar de obras, mas que já não lhe caberá a ele fazê-las.

Fontes:

https://sdistribution.impresa.pt/data/content/binaries/5e5/409/e112e0b6-7282-49bd-ad89-a46d94681ead/

https://amensagem.pt/2022/06/14/helder-freire-costa-ultimo-empresario-teatro-maria-vitoria-centenario-parque-mayer/

 

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publicado às 21:01

Parque Mayer - 100 anos de espetáculos!

por Elsa Filipe, em 15.06.22

Quem diria que hoje ainda estaria de pé! Inaugurado a 15 de junho de 1922, o Parque Mayer assistiu "de camarote" à chegada da ditadura, sofreu as agruras que se viveu no país e quase que viu os seus teatros deitados abaixo, enquanto outros pelo seu abandono iam sendo incendiados. Mas hoje, apesar de tudo, está de pé e comemora o seu primeiro centenário.

A sua história acompanha não só a da cidade de Lisboa como a de Portugal. "O Parque Mayer foi ocupar um espaço junto à Avenida da Liberdade, que pertenceu antes aos jardins e espaços adjacentes do Palácio Mayer e foi construído em 1901 por Nicola Bigaglia e pertença de Adolfo de Lima Mayer."

Funcionou ali entre 1918 e 1920 "o Club Mayer, um clube noturno de recreio e jogo." Em 1920, Artur Brandão, adquiriu o terreno e tornou-se o primeiro "promotor do espaço" mas, no ano seguinte, vendeu-o a Luís Galhardo, depois de trágico acontecimento: "a morte por afogamento de um neto do proprietário no lago que ali existia." 

Luís Galhardo era já uma "personalidade ligada ao meio teatral, que sonhava criar um espaço dedicado ao divertimento" e com alguns sócios, criou a "Sociedade Avenida Parque. Lda," em 1921. Esta Sociedade "projetou nos espaços adjacentes ao edifício do Club Mayer, um espaço de diversão noturna e um polo de atração teatral, especializado no teatro de revista." Nascia assim a génese do Parque Mayer!

Mas em plena ditadura, no ano de 1930 Luís Galhardo acaba por vender "o Club Mayer para a instalação do Consulado Geral de Espanha em Lisboa."

Apesar do que se passava no país, foram as "décadas de 30 e de 70 do séc. XX" as que mais marcaram o "apogeu do Parque Mayer, um sítio carismático de diversão", onde se podiam encontrar barraquinhas, o "circo El Dorado", combates de boxe, carrocéis, entre outros divertimentos. "O percurso político, social e cultural do país, no início dos anos 70, levou a uma renovação de autores, artistas e da própria revista à portuguesa." Esta mudança não seria possívfel sem nomes como "José Viana, Aníbal Nazaré, Francisco Nicholson e Gonçalves Preto que ousaram abordar assuntos até aí interditos."

Foi aqui que nasceram também os desfiles das marchas populares. "Em 1932, por sugestão de Leitão de Barros, realizou-se no Parque Mayer o primeiro desfile de grupos representantes dos bairros lisboetas."

Construíram-se vários teatros neste espaço. O primeiro foi" o Teatro Maria Vitória" inaugurado em 1922, e cujo nome foi uma homenagem à "atriz e fadista Maria Vitória, cuja morte (poucos anos antes) criara alguma consternação." Estreou-se naquele palco, ainda em instalações de madeira provisórias, a 1 de julho desse ano a revista “Lua nova”. Esta sala é a única que ainda continua em atividade como teatro, muito pelo caráter resiliente" do empresário Helder Freire Costa. Um grave incêndio a "10 de Maio de 1986" quase destruiu por completo este teatro e manteve-o "fechado até 1990." Nessa altura, passados quatro anos, reabriu com a peça "Vitória, Vitória", título que se referia a todo o "esforço feito para recuperar a sala de espetáculos. Já então tinham sido gastos 90 mil contos na renovação daquele espaço." A falta de subsídios, que haviam sido prometidos "por várias entidades," tardaram e dificultaram o reerguer do Maria Vitória.

A 20 de agosto de 2003, este espaço sofreu danos graves devido a um outro incêndio que consumiu muito do recheio que estava armazenado. Além do fogo em si, também a água utilizada causou avultados danos, atingindo "o palco, o fosso da orquestra, a sala de estar do público, o salão grande e escadas."

"A 8 de julho de 1926" é inaugurado o Teatro Variedades, onde estreou a revista “Pó de arroz”. Seguiram-se o Capitólio, em 1931. Em 1937, apareceu uma outra casa de espetáculo, o Teatro Recreio, "que foi edificado por iniciativa do empresário Giuseppe Bastos e esteve apenas três anos em funcionamento." E, por último, já em 1956, o novo Teatro ABC, no espaço que já tinha sido do “Alhambra” e parte do “Pavilhão Português”, estreando a revista “Haja saúde”.

Apesar de durante a época do Salazarismo, muitos quadros de revista terem sido "interditados" pela censura, a verdade é que foi nas décadas de 1960 e 1970, que se viveram os tempos mais "áureos da revista à portuguesa. Os quatro teatros do Parque Mayer rebentavam pelas costuras, com espetáculos diários, a que assistiam ilustres figuras da vida pública, ao lado do povo anónimo." Durante as "primeiras décadas, outros espetáculos chamavam multidões, como o fado, o boxe e os combates de luta livre." Estes combates muitas vezes eram ensaiados!

Em agosto de 1990, o ABC sofreu um grave incêndio, já depois de ter sofrido obras de remodelação. Na época tinha em cena a peça "Ai Cavaquinho." Encerraria definitivamente em 1997.

"Em 1999, os terrenos do Parque Mayer foram comprados pela Bragaparques por 13 milhões de euros. Em julho de 2005, a empresa permutou os terrenos por parte dos lotes municipais de Entrecampos, onde se situava a Feira Popular." Só em março de 2021, depois de uma grande batalha jurídica, "a Câmara Municipal de Lisboa vence o processo legal que a opunha à Bragaparques, resultado da disputa referente aos terrenos do Parque Mayer, e que obrigava ao pagamento de 138 milhões de euros pela autarquia à empresa."

Fontes:

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/parque-mayer

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/incendio-no-teatro-abc/

https://www.noticiasmagazine.pt/2022/viagem-aos-100-anos-do-parque-mayer/historias/276677/

http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-espacos/parque-mayer.html

https://www.publico.pt/2003/08/21/jornal/chamas-comem-cenarios-e-recheio-do-teatro-maria-vitoria-204532

 

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publicado às 21:19

A história do dia que mudou Portugal

por Elsa Filipe, em 25.04.22

Feriado comemorativo do 25 de Abril.

A 24 de abril de 1974, o Movimento dos Capitães - ou Movimento das Forças Armadas (MFA), grandemente composto por capitães que tinham tido participação na Guerra Colonial e apoiados por muitos outros soldados milicianos reuniram-se para pôr em andamento o controlo de vários pontos estratégicos. Os seus objetivos eram claros: acabar com a guerra colonial, libertar os presos políticos, restaurar a liberdade e a democracia em Portugal.

Mas esta revolução teve a sua origem alguns anos antes...  A primeira reunião de capitães terá sido em África, em Bissau na Guiné, e a segunda no Monte do Sobral, nas Alcáçovas, concelho de Viana do Alentejo, a 9 de novembro de 1973, após se terem encontrado no Templo romano, em Évora. A última e definitiva reunião antes da revolução, ocorreu a 24 de março de 1974.

Na noite de 24 de abril, o Major Otelo Saraiva de Carvalho, considerado o estratega do movimento que derrubou o regime de Marcello Caetano, instalou um posto de comando secreto no quartel da Pontinha, em Lisboa. Escondidos dos olhares de todos, coordenaram os movimentos das tropas e a ocupação das suas posições.

A primeira senha passou às 22 horas e 55 minutos: a música E depois do adeus”, escrita por José Calvário e cantada por Paulo de Carvalho no Festival da Canção de 1974, tocou na Emissora Nacional e marcou os preparativos das forças revolucionárias, tendo muitas partido rumo à capital, na esperança de um Portugal livre e democrático.

Às 00 horas e 20 minutos, a Rádio Renascença, passa no programa “Limite” uma transmissão gravada com a primeira estrofe de “Grândola Vila Morena”, a canção que Zeca Afonso escreveu para homenagear o cante alentejano e que tinha sido banida pelo lápis azul da censura. A música tocou logo de seguida e foi o segundo sinal. O seu significado: “tropas em movimento”. Agora não havia volta a dar. 

Soldados de Santarém, Estremoz, Figueira da Foz, Lamego, Lisboa, Mafra, Tomar, Vendas Novas, Viseu, e outros pontos do país dirigiam-se para Lisboa.

Pelas 3 horas, as tropas revoltosas, quase em sintonia, iniciavam a ocupação – sem grande resistência - de pontos fulcrais para o sucesso da revolta: o Aeroporto de Lisboa, o Rádio Clube Português, a Emissora Nacional, a RTP e a Rádio Marconi.

O regime só reagiu pelas 4 horas e 15 minutos, quando foi ordenado que as forças sedeadas em Braga avançassem sobre o Porto para recuperar o Quartel-General, no entanto, também estas forças tinham aderido ao MFA e ignoraram as ordens do regime.

Poucos minutos depois - pela voz do jornalista Joaquim Furtado, no Rádio Clube Português - surge o primeiro comunicado do MFA. A participação dos locutores - que acabaram por dar apoio aos revoltosos - foi fundamental para a revolução.

Seguiu-se o Hino Nacional, “A Portuguesa” e a marcha militar "A Life on the Ocean Wavesde Henry Russell e que viria ser o hino do MFA. As forças revolucionárias da Escola Prática de Infantaria de Mafra já estavam a controlar o aeroporto de Lisboa quando às 04 horas e 45 minutos, o MFA lê o segundo comunicado no Rádio Clube Português. 

Com o aeródromo de Tires também ocupado e com a Escola Prática de Cavalaria a ocupar o Terreiro do Paço, surge um terceiro comunicado do MFA: “(...) Informa-se a população de que, no sentido de evitar todo e qualquer incidente ainda que involuntário, deverá recolher a suas casas, mantendo absoluta calma. A todos os elementos das forças militarizadas, nomeadamente às forças da G.N.R. e P.S.P. e ainda às Forças da Direcção-Geral de Segurança e Legião Portuguesa, que abusivamente foram recrutadas, lembra-se o seu dever cívico de contribuírem para a manutenção da ordem pública, o que, na presente situação, só poderá ser alcançado se não for oposta qualquer reação às Forças Armadas. (...)"

Às 6 horas 30 minutos, um pelotão do Regimento de Cavalaria 7, comandado pelo Alferes Miliciano David e Silva, fiel ao Governo, chega ao Terreiro do Paço. Ao nascer do dia, o confronto está iminente, mas, após conversações, estes acabam por se colocar às ordens do MFA.Quando surge o quarto comunicado, já o MFA sabe que Marcelo Caetano, o Presidente do Conselho de Ministros, a cabeça do regime, está no Quartel do Carmo e, enquanto uma força do Regimento de Lanceiros 2, contrária ao MFA, tomava posição na Ribeira das Naus, é transmitido o quinto comunicado. A população vai assim estando a par do que se está a passar. Àquela hora, no Terreiro do Paço, Salgueiro Maia prendia o Tenente-Coronel Ferrand de Almeida.

No Tejo, a fragata "Gago Coutinho" toma posição frente ao Terreiro do Paço e tem ordens para disparar sobre as tropas de Salgueiro Maia. Neste momento, os revoltosos já não vão voltar atrás. Na fragata que poderia ter aberto fogo sobre Lisboa e atingido as forças instaladas no Terreiro do Paço, dá-se uma revolta a bordo e acaba por desviar para o Mar da Palha.

Os ministros da Defesa, da Informação e Turismo, do Exército e da Marinha, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o Governador Militar de Lisboa, o subsecretário de Estado do Exército e o Almirante Henrique Tenreiro que estavam cercados no Terreiro do Paço, conseguem fugir do Ministério do Exército abrindo um buraco na parede. 

Na Ribeira das Naus, o Alferes Miliciano Fernando Sottomayor não obedece às ordens do Brigadeiro Junqueira dos Reis para disparar sobre Salgueiro Maia e as suas tropas. Sottomayor recebe ordem de prisão e a ordem para disparar sobre os soldados revolucionários volta a ser dada. Ninguém a cumpriu e Junqueira dos Reis dispara dois tiros para o ar, abandonando em seguida o local.

Momentos depois, na Rua do Arsenal, o Brigadeiro Junqueira dos Reis dá ordem de fogo sobre o Tenente Alfredo Assunção - enviado por Salgueiro Maia para negociar com as forças de Junqueira dos Reis. A ordem também desobedecida e dizem que o Brigadeiro Junqueira dá três murros no Tenente Assunção.

Com o MFA a controlar as operações pelo país, a coluna militar comandada por Salgueiro Maia, cerca o Largo do Carmo e tem ordens para abrir fogo sobre o Posto de Comando e provocar a rendição de Marcelo Caetano.

Entretanto, a população distribuía comida, leite e cigarros pelos militares presentes no Largo do Carmo, mas forças da GNR – comandadas pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis - tomavam posição na retaguarda das tropas de Salgueiro Maia, em defesa do regime.

Às 14 horas já decorriam conversações entre o General Spínola e Marcelo Caetano, para a obtenção da rendição do Presidente do Conselho, e meia hora depois surge o décimo comunicado do MFA e que dava conta da ocupação dos principais objetivos e de ter o esquadrão do RC 3, comandado pelo Capitão Ferreira, a cercar as tropas do Brigadeiro Junqueira dos Reis.

No Carmo, Salgueiro Maia, ao megafone, faz um ultimato à GNR para que se renda e ameaça rebentar com os portões do Quartel do Carmo, abrindo fogo sobre a fachada do Quartel. Entretanto Pedro Feytor-Pinto e Nuno Távora, da Secretaria de Estado da Informação e Turismo - portadores de uma mensagem do General Spínola para Marcelo Caetano - entram no Quartel e avisam Marcelo Caetano de que Salgueiro Maia está a falar a sério e que os próximos disparos não serão para o ar.

Salgueiro Maia segue-os cerca de meia hora depois para receber a rendição, mas Marcelo Caetano informa que só se renderá a um Oficial-General para que o poder não caísse na rua. Acabou por ser o General Spínola a ir receber a rendição de Marcelo Caetano.

Às 18 horas e 30 minutos, a Chaimite Bula entra no Quartel do Carmo para transportar Marcelo Caetano à Pontinha e, momentos depois, Fialho Gouveia transmite na RTP uma declaração do MFA.

No mesmo dia, a PIDE/DGS, a Legião e a Mocidade Portuguesa foram extintas e os dirigentes fascistas foram destituídos. Registaram-se 6 mortos e cerca de 45 feridos.4 deles eram civis que foram alvejados junto da sede da DGS, um outro era soldado da 1.ª Companhia Disciplinar, em Penamacor, que se encontrava de férias na capital e que seria o único militar a morrer durante a revolução. O sexto foi um funcionário da PIDE.

Por estes homens e mulheres de armas, se mostrou um país farto da situação em que vivia e lutou por um Portugal melhor. Não obstante, os anos que se seguiram não foram fáceis, mas se hoje vivemos em liberdade a eles lho devemos.

 

Fontes:

https://www.tribunaalentejo.pt/artigos/25-de-abril-revolucao-passo-passo (2021)

https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$otelo-saraiva-de-carvalho

 

 

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publicado às 14:48

Otelo Saraiva de Carvalho

por Elsa Filipe, em 25.07.21

Quando eu andava na escola, falaram-me do 25 de Abril, da revolução. Em casa, ouvi várias vezes falar sobre o "antes", de como era a vida, do que a revolução trouxe. Mas a verdade é que só em adulta entendi. Só quando vi a reconstituição feita por atores é que entendi quem era quem, aqueles atores mostraram-me a noite que mudou muitas vidas.

Foi através da televisão que eu depois senti vontade de pesquisar mais sobre o tema (mais do que tinha feito quando aluna para vários trabalhos que fiz sobre o tema). Li romances que retratavam a vida nos anos 50, 60. Não pensei que nada se dissesse (quase nada) quando morre um dos heróis do nosso país, da nossa história moderna. Para muitos pode ter sido apenas mais um coronel ou capitão de Abril, mas não terá sido Amália também mais uma cantora e Eusébio mais um jogador? 

Acredito que esta foi uma das pessoas marcantes da nossa história recente e que um dia se falará (mais) do seu papel nos livros de História.

Nasceu em Lourenço Marques a 31 de Agosto de 1936 e faleceu a 25 de Julho de 2021. Além da sua carreira militar, foi também político e, apesar de se concordar ou não com algumas das suas opções, a verdade é que devemos olhar a história com a importância que esta merece.

As suas primeiras atividades de contestação ao regime deram-se por ocasião da preparação do Congresso dos Combatentes do Ultramar (que teve lugar de 1 a 3 de junho de 1973, no Porto). Exigiu, junto com os outros oficiais em Bissau, a participação de oficiais do Quadro Permanente que exigiam reconhecimento pelo congresso.

Foi depois um dos principais dinamizadores do movimento de contestação ao Decreto Lei nº 353/73, que deu origem ao Movimento dos Capitães que depois se transformou em MFA. Esse decreto trouxe grande descontentamento porque faria entrar para o quadro permanente das Forças Armadas, como capitães ou majores, muitas pessoas com uma qualificação e tempo de aprendizagem muito inferiores às dos oficiais do quadro na altura.

Em Bissau foi criada a Comissão do Movimento dos Capitães (CMC), em que Otelo teve um papel de relevo. Foi promovido a Major em 1 de Setembro de 1973 e a 7 do mesmo mês faz uma exposição ao Ministro do Exército. Reunidos em Évora, 136 capitães assinam um documento semelhante, seguindo o exemplo da Guiné, seguidos por 94 em Angola e 106 em Moçambique. Em resumo, a contestação foi tal que esse decreto foi revogado (e um seguinte, que "resolvia" o problema dos majores), mas, como diz Otelo no seu livro Alvorada em Abril, o movimento já estava lançado. 

A 1 de dezembro de 1973, há um plenário mascarado de confraternização em Óbidos, e é criado o MOFA (Movimento de Oficiais das Forças Armadas, cujo nome, por razões óbvias de sigla, mudaria para MFA alguns dias antes do 25 de Abril por sugestão de Spínola).

Após o fracasso da intentona das Caldas de 16 de março de 1974, em que vários militares seus companheiros foram presos, e Otelo não o foi por um triz, tomou a seu cargo desenhar o plano militar de operações que deu origem ao golpe militar de 25 de Abril, sendo, portanto, o estratega indiscutível da Revolução de 25 de Abril de 1974, responsável pelo setor operacional da Comissão Coordenadora e Executiva do Movimento dos Capitães.

Otelo dirigiu também as operações com outros militares, a partir do posto da Pontinha, no Regimento de Engenharia n.º 1, onde esteve em permanência desde o fim da tarde de 24 de abril até ao dia 26 de abril de 1974 e entre outras ações, Otelo também seguiu de perto os acontecimentos do Largo do Carmo, tendo sido ele que escreveu a ordem manuscrita para que Salgueiro Maia iniciasse o fogo contra o Quartel do Carmo.

Depois da revolução, foi nomeado comandante da Região Militar de Lisboa, e Comandante do COPCON, com polémica atuação durante o Processo Revolucionário em Curso.

Pertenceu ao Conselho dos 20 e ao Conselho da Revolução, e é considerado um dos elementos mais carismáticos do Movimento das Forças Armadas.

Nos anos 1980, foi acusado de ter participado da luta armada em prol da revolução proletária como membro da organização terrorista Forças Populares 25 de Abril, tendo sido condenado a 15 anos de prisão por associação terrorista em 1986. Otelo sempre negou essa participação. Em 1991, Otelo recebeu indulto por seus crimes, que foram amnistiados em 2004. 

Muito poderia acrescentar aqui, de uma vida cheia e que em vários aspetos contribuiu para o país que hoje temos. Ele e outros com a devida importância.

 

Fontes:

https://observador.pt/2021/07/25/morreu-otelo-saraiva-de-carvalho/

https://www.dn.pt/politica/morreu-otelo-saraiva-de-carvalho-13972428.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Otelo_Saraiva_de_Carvalho

 

 

 

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publicado às 23:40

Abril, a revolução dos Cravos

por Elsa Filipe, em 25.04.20

Quase sem derramamento de sangue, assim se fez a conhecida Revolução dos Cravos. Bem, não terá sido bem assim, pois terão existido alguns mortos e feridos.

Este dia ficou na verdade marcado pelo desaparecimento de cinco pessoas. Foram baleados cerca das 20 horas e 10 minutos do dia 25 de Abril, por balas disparadas a partir da sede da Direcção-Geral de Segurança, na Rua António Maria Cardoso, n.º 20. Ao que se sabe, saíram do lugar onde dormiram com o entusiasmo próprio dos que sentem viver um momento histórico, quem sabe um instante decisivo das suas vidas, do seu futuro. Foram entusiasmados para o Chiado, lugar simbólico do Regime. Muitas dezenas de pessoas, talvez centenas, tiveram exactamente a mesma ideia que estes homens, jovens, à medida que corria a manhã e se multiplicavam as notícias na rádio e na RTP (tomadas de assalto pelas forças revolucionárias), foram chegando homens e mulheres com vontade de fazer justiça ou de ver a justiça ser feita contra os polícias políticos responsáveis pelas maiores barbaridades do século XX português.

Os elementos da PIDE dispararam indiscriminadamente, com intuito de matar uns tantos, para assustar os que estivessem no cerco, para fazer o que fosse preciso e prepararem um plano de fuga.

Vários populares caíram. Todos correram para um lado e para o outro da rua. Quem lá esteve fala de gritos, pânico, confusão. Os tiros continuaram durante longos segundos, a maioria foram disparados para o ar, mas muita gente ficou no chão, ferida.

Fernando Carvalho Giesteira, era natural de Montalegre, tinha 17 anos e era empregado de mesa da boîte Cova da Onça, e vivia na Pensão Flor, ao Areeiro.

José James Harteley Barneto, de 38 anos, casado, pai de quatro filhos, natural de Vendas Novas, escriturário do Grémio Nacional dos Industriais de Confeitaria, morador na Avenida João Branco Núncio, n.º 7, 1.º andar, na Flamenga. Deixou quatro filhos.

João Guilherme Rego Arruda, de 20 anos, natural dos Açores, estudante do segundo ano de Filosofia, morador na Avenida Casal Ribeiro, n.º 21, 5.º andar.

Na manhã seguinte, as televisões filmaram o sangue espalhado no chão e as marcas de balas nos automóveis e, dias mais tarde, exibiram imagens dos funerais das vítimas, a que compareceram muitos cidadãos anónimos.

Às centenas, os populares iam acompanhando a queda do último bastião do regime, desrespeitando os repetidos apelos do Movimento das Forças Armadas para que permanecessem nas suas casas. A PIDE/DGS na Rua António Maria Cardoso, nunca foi um alvo prioritário, pois segundo terá afirmado Salgueiro Maia, pouco sabiam sobre os meios de que a PIDE dispunha. De facto, houve relatos de elementos da PIDE posicionados nos telhados, armados, com intenção de alvejar a população e os militares nas ruas. Outros relatos afirmam que o MFA não tinha os meios necessários para, além de derrubar o governo, atacar também a António Maria Cardoso, uma vez que alguns dos Regimentos e Companhias desistiram no último instante.

Terá sido esta a causa das mortes, a grande confusão ali criada e a vontade do povo em invadir a sede da DGS?

Uma outra vítima mortal, foi o servente António Lage, de 32 anos, que ocupava o escalão mais baixo na estrutura hierárquica da Direcção-Geral de Segurança e que não exercia funções policiais. Foi baleado às 21h25 quando saía da sede da corporação e, provavelmente aterrorizado pelos populares, tentou escapar a correr num momento de pânico. Dizem que já estava detido e que se terá assustado com os gritos da população que dava "ordens" para que fosse morto. Alguém cumpriu a vontade da população.

A 26 de abril de 1974, ali bem perto daquela rua, em plena baixa lisboeta, uma confusão leva os militares a disparar contra uma coluna de carros da PSP, por acharem que os agentes iam investir contra os manifestantes, no Largo Camões, em Lisboa. Manuel Cândido Martins Costa, 25 anos, polícia de choque, foi fatalmente atingido nos pulmões.

São heróis esquecidos do 25 de Abril, talvez os mais esquecidos, pois, para todos os efeitos, na Revolução não houve vítimas, apenas cravos em espingardas que nunca dispararam. Foram mártires, involuntários e não aparecem nos livros escolares.Poucos não é igual a zero.

Até hoje, a identidade dos assassinos destas seis pessoas permanece uma incógnita. Muitos outros terão morrido na libertação das colónias. A liberdade, embora tenha tido um preço e seja necessário salvaguardar sempre a verdade, é nossa. Não a deixemos voltar a cair!

 

Fontes:

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/30-jun-2019/25-de-abril-a-revolucao-que-nao-foi-assim-tao-branda-11056529.html

https://fumaca.pt/fabio-monteiro-sem-a-morte-das-pessoas-no-25-de-abril-a-pide-nao-teria-caido/

https://ionline.sapo.pt/artigo/386708/a-historia-de-quatro-portugueses-que-morreram-no-dia-mais-feliz-das-suas-vidas?seccao=Portugal_i

 

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publicado às 15:53

Em vésperas da liberdade, "presos" em casa

por Elsa Filipe, em 24.04.20

Um pouco antes das 23h de um dia 24 como o de hoje, ouve-se na rádio a canção "E depois do Adeus"... mais tarde, já na madrugada de 25 de abril, é a voz de José Afonso que ecoa nos rádios com "Grândola, Vila Morena". Outras canções, antes da revolução cantavam gritos de revolta e brilhavam os olhos dos seus intérpretes quando conseguiam dizer aquelas letras ludibriando quem os queria calar.

Hoje estamos em casa, por causa de uma pandemia e até parece que não temos liberdade. De certa forma, estamos um pouco presos mas não as nossas mentes, tal como não estavam presas as mentes daqueles que usaram as palavras e a escrita como gritos de revolta e rasgar de amarras. É sobre esses que hoje vos venho escrever.

A palavra escrita podia comprometer o regime e a imagem que dele os portugueses tinham e por isso, muitos livros foram proibidos, muitos jornais nunca chegaram a ver a luz do dia e muitas informações foram caladas.Portugal, viveu durante 48 anos, na escuridão. A escuridão da mente que não podia abrir-se ao mundo mas também a escuridão daqueles que às escondidas, iam escrevendo artigos de propaganda contra o regime, poemas - tantos hoje cantados - com coisas que não podiam ser ditas. Falemos hoje livremente de livros proibidos e de autores que alguns quiseram que nunca fossem lidos!

A política de Salazar e de Marcello Caetano, era feita de silêncios, de calar tudo o que fosse considerado “propaganda subversiva”. Os jornais, as revistas, os livros e outras manifestações culturais, eram cortados previamente ou simplesmente proibidos. Fugir ao lápis azul, passou a ser uma arte construída em subtilezas e truques para iludir a vigilância policial. E uma forma de resistir sem liberdade de expressão.

A censura era uma arma do Estado Novo! Produziu mais de 10.000 relatórios de leitura aos livros de autores portugueses, lusófonos e não-lusófonos, em edição original ou tradução, que entravam e circulavam em território nacional. 

Centenas de obras foram proibidas. Falamos em cerca de 900 títulos identificados como tendo sido proibidos pela ditadura entre 1933 e 1974. o primeiro livro objeto da fúria censora da ditadura do Estado Novo foi A obra intangível do Dr. Oliveira Salazar, de Cunha Leal, que chefiou um governo na I República e chegou a apoiar o golpe de 28 de maio de 1926.

Os autores eram acusados de serem imorais, pornográficos, comunistas, irreligiosos, subversivos, maus, antissociais, dissolventes, anarquistas ou revolucionários, os livros examinados pela Censura abrangem áreas como as artes plásticas, ciências naturais, ciência política, economia, educação, geografia, filosofia, história, literatura, música, sociologia, religião, entre outras. A Censura acabou por proibir especialmente as obras marxistas-leninistas, eróticas ou de educação sexual. Nas décadas de 1940 e 50 proibiu-se a literatura neorrealista.

Da lista negra de autores portugueses faziam parte Urbano Tavares Rodrigues, Miguel Torga, Alves Redol, Natália Correia, Herberto Hélder, Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira, entre outros. O autor mais proibido misturava em doses bem medidas um humor brejeiro, a sátira política e o erotismo do seu desenho que indispunham os censores, o que os levou a apreender 29 obras de José Vilhena, humorista que depois do 25 de Abril publicaria o título Gaiola Aberta. Os outros dois autores mais proibidos são Roy Harvey (15 obras), pseudónimo literário de José Ferreira Marques, e Tomás de Fonseca (14), cujo militantismo republicano e anticlerical lhe valeu a perseguição do lápis azul. O quarto autor mais visado é Urbano Tavares Rodrigues, jornalista e escritor, militante do PCP, que viu sete livros serem proibidos.

Com um número muito menor de livros, estão as mulheres. Sem dúvida, fruto da parca escolarização a que as meninas tinham acesso e ao poder que os homens tinham sobre as mulheres, conseguindo em muitas casas, castrar-lhes o pensamento. Daquelas que o conseguiram fazer, poucas chegaram até aos nossos dias. No caso de Maria Archer, a ação da censura terá tido um peso tão grande que a autora perdeu o seu meio de subsistência, tendo de viver mais de duas décadas fora de Portugal. Para além disso, a sua obra sofreu danos irreversíveis pois ela teve de ser alterada de forma a poder passar ilesa pela mão dos censores. Tem havido algumas tentativas de recuperação da sua obra – e, consequentemente, do seu lugar na história literária –, mas estas têm sido insuficientes para que seja conhecida pelo grande público.

Carmen de Figueiredo foi censurada pela inclusão, na estrutura da narrativa, de descrições sexuais. Nita Clímaco, com a sua escrita fez contrastar Portugal, pobre, iminentemente rural, culturalmente tacanho, a França, moderna, culturalmente viva. No entanto, essa modernidade acaba por ser apresentada como uma devassidão moral pela censura.

Natália Correia, mais conhecida e até estudada nos nossos dias, também foi impedida de ser lida mas, a verdade é que esta veio não só a reeditar algumas das suas obras depois do 25 de Abril mas também a tornar-se num dos nomes mais proeminentes da cultura portuguesa nas décadas seguintes. A sua obra foi premiada e reeditada várias vezes.

Nos estrangeiros apareciam Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e todos os que defendessem a ideologia marxista. 

Recomendo que oiçam a entrevista feita por Teresa Nicolau, João Martins e Paulo Nunes (RTP - 2014).

 

Fontes:

https://ensina.rtp.pt/artigo/livros-e-escritores-censurados-pelo-estado-novo/

https://www.parlamento.pt/Parlamento/Documents/Biblioteca_25abril2021.pdf

https://www.dn.pt/politica/estado-novo-censurou-900-livros-2434309.html

https://www.esquerda.net/dossier/escritoras-portuguesas-e-estado-novo-9-autoras-e-21-obras-censuradas/64649

https://www.bnportugal.gov.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1682%3Aexposicao-obras-proibidas-e-censuradas-no-estado-novo-3-maio-3-set&catid=173%3A2022&Itemid=1680&lang=pt

 

 

 

 

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publicado às 19:38

45 anos da Revolução de abril

por Elsa Filipe, em 25.04.19

Celebra-se hoje a passagem de 45 anos sobre a Revolução do 25 de Abril. Um dia especial que marca o fim do Estado Novo e o início da libertação dos presos políticos e o regresso a casa de muitos exilados. Ser clandestino, sussurrar para não ser ouvido pelos bufos, a olhar por cima do ombro em constante sobressalto, era uma realidade nos anos de ditadura. O 25 de Abril (após outras tentativas falhadas) dá-se para acabar com a Guerra Colonial.

Lembrando os jovens de 1974, Marcelo Rebelo de Sousa disse algo muito bonito na Assembleia da República: "a história faz-se sempre de programas, de ideias impossíveis. Portugal é uma impossibilidade com quase 900 anos. Porque haveríamos de ser nós a não acreditar em Portugal?"

Para muitos, hoje é um dia de festa, mas é também um dia de reflexão e de memórias. Eu tenho uma grande admiração pelos homens e mulheres que conseguiram fazer deste um país livre. São centenas, senão milhares, de nomes que conseguiam fugir ao lápis azul da censura, que resistiam às mãos da tortura dos PIDE sem denunciar os outros que com eles lutavam. No nosso país havia fome. Muita fome, muita miséria a que não queremos regressar. Claro que ainda há fome! Não sejamos hipócritas! Há falta de habitação condigna, existem falhas na Educação e na Saúde - para mim os grandes pilares - mas temos liberdade para lutar por mais! Eu posso fazer mais por mim e pelos meus, posso criticar e exigir! Até posso votar!

Posso escolher se quero dizer bem ou se quero dizer mal do governo, se hoje quero concordar com as ideias de um partido mas ontem concordei com as do outro. Posso optar por vestir calças ou saias, mostrar as pernas se bem quiser.

Aprendi a ler! Posso escrever! E mais, posso escrever o que eu quero, mesmo que não gostem e que me critiquem, pois quem quer criticar tem esse direito também, o de dizer mal ou de dizer bem, de gostar e de afirmar que não gosta. Posso não concordar e dizer que não concordo e quais são as minhas ideias. 

Abril ainda não está terminado! Nunca estará penso eu, pois estamos famintos de continuar a mudar e a crescer. O país pede mais, merece mais. O caminho tem sido lento, os entraves têm sido tantos... não nos deixem baixar os braços, continuemos a luta pela nossa liberdade, pelos nossos direitos e por não deixarmos cair na rua, o poder que Abril nos deu! As crianças e os jovens de hoje têm de saber daquilo que se passou para que nunca se esqueçam! A estes jovens que já nasceram em liberdade, tal como eu nasci em 1983, tem de ser mostrado o que era Portugal. 

Fontes:

https://rr.sapo.pt/noticia/149253/marcelo-pede-mais-ambicao-na-democracia-na-demografia-e-na-economia

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publicado às 20:04

Quando se fala na revolução de abril, lembram-se os cravos distribuídos, os tanques que percorreram Lisboa, fala-se dos abraços entre militares e populares, fala-se de um dia belo. Esquecem-se - apenas por alguns momentos - as dores de tantos anos de ditadura, as marcas na carne dos que sofreram às mãos da PIDE... e quase que se conseguem esquecer as colónias e os que lá morreram antes e depois da revolução... e os portugueses que lá lutaram e foram mortos, estropiados no corpo e no pensamento.

Quando se lembra abril lembram-se as canções. Os compositores, músicos e cantores que, de uma forma  diferente, emprestaram as suas letras à revolução e que assim também lutaram ao lado dos militares revoltosos que conseguiram derrubar o Regime. Lembram-se os radialistas que transmitiram as senhas, os jornalistas, que a medo mas com uma grande vontade, deram a sua voz à leitura dos comunicados do MFA. 

As canções de abril não foram escritas para a Revolução. Foram feitas, anos antes, mas são ainda hoje um grito! Conseguiram ser em alguns casos uma forma de ludibriar o famigerado "lápis azul" da censura e trouxeram mensagens de revolta e de esperança.

Em Portugal, desde o final dos anos 60, houve um movimento de artistas populares e empenhados, quase todos de esquerda, que quiseram contribuir para o desenvolvimento de uma consciência política através da canção.

Na noite de 24 para 25 de abril de 1974, soou às 22h55m "E Depois do Adeus", de Paulo de Carvalho, transmitida pelo radialista João Paulo Diniz da Emissora Nacional. A canção não tinha uma letra perigosa, e ganhara o Festival RTP da Canção de 1974, sendo apresentada no Festival Eurovisão da Canção de 1974. De lembrar, que o Festival da Canção teve o seu início em 1958 (na altura conhecido por "Festival da Canção Portuguesa" e promovido pelo Centro de Preparação de Artistas de Rádio) e em 1964 daria lugar ao "Festival RTP da Canção" (Maria Helena Fialho Gouveia e Henrique Mendes foram os apresentadores desse festival, que foi ganho por António Calvário com a canção "Oração").

Cerca de 30 minutos depois, dá-se vez na Rádio Renascença, emissora católica portuguesa, à transmição da canção de José Afonso, "Grândola, Vila Morena", que foi a segunda senha para o avanço das tropas sobre os seus objetivos. Numa primeira instância, foi escolhida a canção "Venham mais cinco" de José Afonso, no entanto, quando já se acabara o período de preparação, descobriu-se que a canção estava incluída na lista de músicas banidas da Rádio Renascença, emissora católica, e estava barrada de passar no programa Limite da estação de rádio, como estava a ser planeado.

Sobre "Grândola, Vila Morena", José Afonso (carinhosamente, Zeca) escreveu este poema em 1964 aquando de uma visita a Grândola, em homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. A letra, só se tornou canção em 1971, quando foi gravada em França, à revelia, tornando-se em 1974, o hino da Revolução. O álbum, "Cantigas do Maio", onde consta esta letra, contou com os arranjos e a direção musical de José Mário Branco,  

Zeca Afonso, passou vários anos nas prisões políticas do Estado Novo, e, após o fim da sua sentença, escreveu, cantou, e deu concertos, assim como fez discos que eram clandestinos ou intensamente censurados. O seu nome era proibido nos jornais, pelo que, para evadir a censura, o seu nome era escrito ao contrário, "Esoj Osnofa" - o que me leva a crer que os próprios censuradores não eram assim tão inteligentes.

Um mês antes do 25 de Abril de 1974, realizou-se no Coliseu dos Recreios, a 29 de março de 1974, o I Encontro da Canção Portuguesa, de protesto e de denúncia da ditadura do Estado Novo. Foi muito difícil de realizar, devido à censura que proibiu a maioria das canções, mas apesar de tudo, o Coliseu ficou sem nenhum lugar livre e na rua juntou-se uma multidão. 30 canções e poemas foram proibidos, mas não conseguiram proibir o encontro devido ao grande número de populares ali concentrados. Se calhar, ali foi o sinal de que a população só estava à espera do momento certo, do sinal certo, para sair à rua. A Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), prontas para dispersar a multidão pela força, acabaram por não receber essa ordem e decidiram ser melhor deixar o espetáculo avançar.

Os artistas decidiram atuar por respeito pelo público, apesar das péssimas condições de som. Após a primeira apresentação, que não conseguiu compensar a fervura do público, as pessoas ali presentes começaram num coro disperso a canção "Canta, canta amigo," de António Macedo, que era conhecida nos meios de oposição, e que teve de ser terminado bruscamente pelos músicos. Depois da atuação de Carlos Alberto Moniz e de Maria do Amparo e da atuação de Carlos Paredes, com a sua guitarra, o público acalmou.

Atuaram nomes grandes como José Carlos Ary dos Santos, que rendeu o público, com a sua poderosa arte declamatória, Fernando Tordo, Tonicha, Manuel Freire, José Barata Moura,  Intróito, Adriano Correia de Oliveira e, claro,  José Afonso. As duas horas e meia do memorável espetáculo foram gravadas pela equipa do programa "Limite" da Rádio Renascença 

Na plateia do I Encontro da Canção Portuguesa, estariam presentes vários dos capitães que tiveram um papel no 25 de Abril, que já estava numa avançada fase preparatória. Nessa altura, já se tinha determinado que o sinal para começar as operações seriam duas canções emitidas através da rádio. A Rádio Renascença foi escolhida pois os meios de comunicação dos militares não tinham cobertura pelo país inteiro, pelo menos não de forma fiável e audível.

A 30 de abril de de 1974, José Afonso foi até ao aeroporto de Lisboa receber companheiros anteriormente exilados, principalmente José Mário Branco e Luís Cília, que produziam desde 1960 os discos dos que em Portugal não o conseguiam fazer. 

Fontes:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A2ndola,_Vila_Morena

https://www.youtube.com/watch?v=XBq3JV1U4UQ

https://www.rtp.pt/programa/radio/p1994/e20140424

https://pt.wikipedia.org/wiki/Festival_da_Can%C3%A7%C3%A3o_Portuguesa_1958

https://youtu.be/avK0zW4LRwg

https://pt.wikipedia.org/wiki/Festival_RTP_da_Can%C3%A7%C3%A3o_1964

https://youtu.be/iLiCZCYon68

https://youtu.be/cWopJ3ptGyE

 

 

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