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Gosto de escrever e aqui partilho um pouco de mim... mas não só. Gosto de factos históricos, políticos e de escrever sobre a sociedade em geral. O mundo tem de ser visto com olhar crítico e sem tabús!
Se há coisas de que tenho algum orgulho é de viver num país que me permite liberdade de expressão. Estas são as minhas palavras de hoje. Um país com muitas falhas, um país com corrupção no governo, com gente que nada vale em altos cargos, mas um país onde é possível dizer o que se pensa, escrever sobre o que se acha. Ser ponderado não é deixar de ser livre. Ser crítico, não é ser mal educado nem tão pouco ofensivo. Estar contra ou a favor de algo é apenas uma opinião, não é ter mais ou menos razão que o outro. Debater, é isso apenas, trocar ideias, discutir pontos de vista. Não é virar as costas à opinião do outro, mas pode ser escolher o lado que se acha mais correto segundo os nossos padrões.
Quando se procura alívio, nestes tempos difíceis, fazer um desabafo em forma de escrita pode ter uma função terapêutica. Uma página em branco pode ser difícil de ultrapassar, mas pode ser também uma terapia de autoconsciencialização e de reflexão sobre o que se passa à nossa volta.
As notícias à nossa volta são assustadoras. Todos os dias somos "atacados" por más notícias, que nos vão afetando a mente e a compreensão do mundo. Podemos tornar-nos imunes à dor do outro? Não quero estar imune! Isso seria deixar de sentir, deixar de me importar. A dor do outro não pode ser desvalorizada só por estar atrás de um ecrã, por estar tão longe aparentemente. As lágrimas de uma mãe que grita a morte de um filho vítima de um bombardeamento, não pode ser vista de ânimo leve sem uma dor profunda que nos atravessa o coração. A dor de um pai que segura o corpo de um filho nos braços, caminhando numa estrada cheia de pó... sem destino...
Quando o local que conhecem como habitação, é atingido, para onde se dirigem os sobreviventes? Quando um familiar, um amigo, um conhecido, um vizinho, está ferido, para onde se leva? Parece que não é assim tão literal em contexto de guerra, pois não? E quem protege quem salva?
Na Ucrânia, já se registam mais de 500 crianças mortas desde o início da guerra (ou seja, desde fevereiro de 2022) e ferimentos em mais de mil (e, como é bastante fácil de compreender, estes dados podem estar a ser divulgados por baixo). Sobreviver, é apenas a primeira fase, depois, chegam outros problemas, uma vez que os ataques aéreos e as explosões também danificam "serviços essenciais como escolas e hospitais" o que traz um forte impacto na vida e na saúde destas crianças.
De 7 a 14 de outubro, mais de 700 crianças foram mortas na Faixa de Gaza. Citando James Helder, porta-voz da UNICEF, "as imagens e histórias são claras: crianças com queimaduras horríveis, ferimentos de morteiro e partes do corpo perdidas. E os hospitais estão totalmente sobrecarregados para tratá-los.” Afirma também James Helder que, as crianças israelitas que foram raptadas no passado dia 7 de outubro, e que ainda estão "como reféns em Gaza devem ser reunidas de forma segura e imediata com as suas famílias e entes queridos”.
Os ataques aos hospitais e os cortes sistemáticos de energia colocam também a vida de milhares de crianças em risco na Faixa de Gaza. Um dos médico que se manifestou, afirma que "muitas crianças que dependem de ventiladores não sobreviveriam a uma interrupção de eletricidade em Gaza".
No dia 17 deste mês, o hospital de "Al-Ahli na Cidade de Gaza," foi alvo de um bombardeamento e "caso seja confirmado, será o mais mortífero bombardeamento aéreo israelita nas cinco guerras que foram travadas desde 2008." Nas imagens que foram mostradas por alguns meios de comunicação, vê-se "um enorme incêndio rodeando as fachadas do edifício, vidros estilhaçados e corpos, muitos deles desmembrados, espalhados por toda a zona." O ataque terá feito cerca de 500 mortos, entre os quais dezenas de crianças. No mesmo dia (17/10) uma escola foi também bombardeada, o que provocou a morte de pelo menos seis pessoas e dezenas de feridos. A escola, que era administrada por uma agência afeta à ONU, estava localizada no "acampamento de refugiados de Al Maghazi." Seriam cerca de 4000, as pessoas que "estavam refugiadas naquela escola."
Para quê isto?
E é difícil escrever sobre estes ataques. Mas temos de o fazer. Repetidamente. Temos de continuar a espalhar estes números por aí. Talvez o meu blogue não chegue a muita gente, o meu público é "pouqinho" (mas bom), mas acho que é um passo importante se cada um de nós for chamando a atenção para estes problemas uma e outra vez, não sendo cumplíces em calar tanta maldade!
Fontes:
Falei aqui já do caso da Jéssica, a menina que foi assassinada em junho de 2022, em Setúbal. A dor que nos une é a de que ninguém fez nada enquanto podia. Quem soube, não se mexeu. A vida desta menina poderia ter sido tão diferente se a comunidade tivesse os olhos abertos, se a vizinhança não tivesse medo de falar e se as autoridades tivessem sido mais autoritárias e no momento certo, não tivessem deixado esta progenitora sair do hospital com a bebé, como deixou.
Hoje saiu a sentença, que condenou a 25 anos de prisão a progenitora da menina de 3 anos, Inês Sanches, a suposta ama, Ana Pinto também conhecida por Tita, o seu marido, Justo Montes, e a filha destes, Esmeralda Montes.
Esmeralda tem uma filha mais ou menos da idade de Jéssica e resta saber o que vai agora acontecer a esta criança, quem vai ficar a cuidar dela e como. Se estava na casa, ouviu e viu, e nada fez... como é que estas pessoas conseguiram ouvir os gritos desta criança e não se comoverem? As paredes das casas são assim tão grossas para os vizinhos não terem dado conta de nada? Também Jéssica tinha sido sinalizada quando tinha apenas um mês, mas a família não autorizou a intervenção e o desfecho foi aquele que todos já sabemos.
Recordando o que foi dito no despacho de acusação do Ministério Público durante os cinco dias em que permaneceu na casa de Ana Pinto - como garantia de pagamento de uma dívida da mãe, de 200 euros, por alegadas práticas de bruxaria (ou há quem ache, por dívidas de tráfico de droga que não foram provadas) - a menina foi sujeita a vários episódios de maus-tratos violentos e utilizada como correio de droga. O juiz presidente do colectivo a afirmar que a criança “perdeu o direito à infância de uma forma medieval”.
Jéssica só foi devolvida à mãe cerca das 10:00 do dia 20 de junho de 2022, numa altura em que já não reagia a qualquer estímulo. O tribunal aceitou a qualificação, concluindo pelo crime de homicídio qualificado, “por tratar-se de uma criança indefesa” e por ter existido tortura.
Os sinais evidentes do seu sofrimento foram ignorados durante várias horas pela própria mãe, facto que a investigação considerou que também poderá ter contribuído para a morte da criança, que ocorreu poucas horas depois no Hospital de São Bernardo, em Setúbal.
“Seguramente com envolvimento e conivência de todos” os arguidos que viviam na mesma casa, a criança sofreu agressões “da cabeça à ponta dos pés”, num “total mínimo de 78 fortes pancadas”. Sofreu ainda 76 cortes, beliscões e outras ofensas cortantes que provocaram escoriações. Foi dado como provado que foi queimada com líquido fervente, sofreu fortes embates com a cabeça contra superfície dura e múltiplos arrancões de cabelo, pela raiz, que a deixaram com peladas.
Explicou ainda o juíz que o tribunal separou três equimoses, “que são as lesões que provocaram a morte, de acordo com o perito”. São embates contra superfícies duras. “Nas descartamos a possibilidade de a criança ter sido agarrada pelos pés e arremessada contra a parede, como se de um bastão se tratasse. Não temos a certeza, mas o resultado é compatível”, segundo disse o coletivo. A descrição das lesões enchem dez páginas.
“As equimoses falam de acordo com a cor e dizem que as mais antigas têm cerca de cinco dias, e isso dá-nos a baliza de quando começaram as pancadas, cinco dias antes da morte. E depois temos um sem-fim de cores, e, com base no tempo dessas lesões, conseguimos agarrar alguns marcos fortes sobre onde foram feitas," adicionou o juíz.
Os vestigios encontrados falam por si, mesmo que os arguidos tenham enchido o tribunal de mentiras. O colectivo convenceu-se também de que Inês Sanches viu a filha na véspera da sua morte, quando teve a convulsão e já estava em risco de vida. Esse facto não ficou provado mas o colectivo entende “poder dar esse passo”, no âmbito das presunções que lhe são admitidas. Ficou provado que a criança foi exposta “a cocaína no período em que esteve” na casa da família Montes, mas não se provou o contexto.
Quanto ao pai, a este foi atribuído um valor considerado simbólico, por ter sido também ele um pai "simbólico", não presente e que em pouco contribuiu para o bem estar da menina.
Fontes:
Há dias em que acordar é um fardo, uma luta em que até as pálpebras doem abrir. Levantar requer uma dose de concentração, força e energia, que me deixam esgotada para o resto do dia.
Há dias em que conseguir sair de casa e caminhar até à paragem, é um esforço quase demasiado grande para ser suportado. A meio da manhã, já estava a entrar em "burnout" - se é que este pico não foi apenas o sinal do corpo que já lá tinha chegado há vários dias. Alguns "entendidos" dizem que a fibromilagia é uma depressão disfarçada. Eu não acho isso. Eu acho que lutar contra esta doença é tão frustrante que nos leva à depressão. Também é verdade que fico pior quando me irrito, quando estou preocupada, ou quando não durmo o suficiente. Mas então, se fosse só isso, não teria crises em dias em que descansei bem, em que o dia correu de forma normal e sem sobressaltos, em que estive tranquila. Mas nessas alturas, o corpo ataca dizendo "estou aqui" e num repente, surge uma dor aguda numa articulação, ou uma perna fica presa, ou a cabeça começa sem aviso a latejar de tal forma que tenho de me segurar para não cair, a visão fica turva do nada, os olhos a arder e as palavras que estão na cabeça, não são as mesmas que saem da minha boca no decorrer de uma conversa.
Noutros dias, faço as mesmas horas, o mesmo trabalho, os mesmos esforços, com mais facilidade, com mais vontade e sem um nível insuportável de dor. Por isso, isto não é uma queixa, é uma constatação. Para quem tem Fibromialgia, cada dia é diferente. Hoje estou mal, amanhã, estou bem. Não é do calor, não é do frio, é porque sim. Claro que nos dias de mais trabalho, canso-me mais - como todas as pessoas - mas não é esse o factor que despoleta as crises.
O conhecimento da forma como o nosso corpo funciona é fundamental. Mas há dias em que me sinto deseperada, em que o nível de dor torna qualquer movimento difícil, qualquer som passa a ser ensurdecedor, qualquer toque mesmo que ao de leve, parece um forte beliscão. A pele arde como se estivesse com um escaldão e até a roupa incomoda, as pontas do cabelo a tocar na cara e no pescoço parecem agulhas a espetar na pele. Só reconhece verdadeiramente quem já passou por isto, os outros apenas podem imaginar.
Foi há muito pouco tempo que eu aprendi a lidar com a minha doença e a aceitar que o meu corpo dói, sempre. Não me queixo sempre que sinto dor, porque seria chato para as outras pessoas se o fizesse. Mas isso não significa que eu não esteja a forçar naquele momento um sorriso ou um movimento.
Antes, não percebia o porquê de me doer do lado direito e na hora seguinte, me doer do lado esquerdo.Ou qual a razão de ficar sem paciência ao longo do dia. É tudo devido à doença. Ou porque é que fico sem força e não consigo subir dois degraus seguidos sem respirar fundo. É do cansaço constante que a doença me dá. Os músculos e as articulações estão constantemente rígidos.
Se me lembro da primeira vez que me afetou? Talvez consiga situar num dia em que me baixei para pegar no meu filho ao colo e fiquei sem me conseguir levantar. Já passaram uns 12 anos, mas nessa época eu achava que podia fazer tudo ainda. Até me convencer que tinha de mudar de vida e que a minha vida nunca mais seria a mesma, demorou muito tempo.
O Dia Mundial da Fibromialgia faz com que se fala nisto, com que se oiçam outras histórias, que se vejam histórias de superação. O bom seria que as pessoas entendessem que não somos nós que estamos a fingir ou que somos queixinhas, ou que apenas não queremos trabalhar.
Muitas vezes, até para virar o corpo na cama exige um esforço sobre-humano. Noutros dias, estamos melhores e achamos que conseguimos fazer aquelas coisas de que já tínhamos saudades... e abusamos do corpo mal habituado. Devido aos anos que se passaram, eu já sei antecipar as crises na maioria das vezes. Quando o tempo começa a ficar mais húmido, o corpo dá sinal. Ou quando me enervo, não consigo relaxar os músculos e os moviementos tornam-se menos amplos e mais dolorosos. Quando tomo banho à noite e desperto antes de ir para a cama, ou fico muito interessada numa série que está a dar na televisão e adormeço mais tarde, o corpo castiga-me no dia seguinte como se eu não tivesse direito a pequenos prazeres.
Não olhem para nós como queixinhas. Não somos pessoas diferentes de vocês, não gostamos de estar na cama nem de estarmos embrulhados numa manta em pleno verão. Eu pessoalmente não gosto quando tenho de ir quase de gatas para a casa de banho, ou quando me agarro ao corrimão para não cair pela escada ao descer. Ou quando tropeço e caio quando vou na rua, só porque o meu corpo perde a força.
Não, não é de propósito que deixo cair coisas, ou que me esqueço de nomes de pessoas ou de locais. E não é que eu não goste de conduzir, é poreque perco a força e tenho espasmos nas pernas e fico com medo de deixar de controlar o carro e magoar alguém. É percetível isso? Não o será para todas as pessoas - acreditem, muitos ainda me julgam mal e acham que só não me apetece!
No ano passado falei também sobre esta doença e sobre a forma como ela nos afeta. Há cada vez mais gente a partilhar conteúdos sobre ela e a dismistificar muitas das coisas que sofremos.
Esta semana tem-se ouvido falar em Crise Financeira, algo que muitos analistas já andavam a falar, mas que tem sido um pouco desvalorizado. Se bem que já vivemos em crise há vários anos e que estes últimos meses têm sido bem difíceis, a verdade é que parece que a coisa está mesmo a instalar-se e com tendência a piorar.
Há uns dias o fundo imobiliário americano (BlackStone), que falhou o pagamento de um reembolso de obrigações no valor de cerca de 500 milhões de euros, vê-se agora na obrigação de vender ativos de forma acelerada para evitar falhar outros pagamentos.
Estas crises são cíclicas porque o problema está no financiamento a médio e longo prazo. Como houve uma grande emissão de dinheiro pelos bancos centrais em 2007 e 2008 para amenizar os efeitos da crise das novas tecnologias que já vinha a afetar os mercados, nos anos seguintes os estados não tiveram forma de recuperar e de pagar a dívida. Esta crise económica foi depois também acentuada por outros problemas, como a própria pandemia e a guerra na Ucrânia. Estados mais frágeis e endividados estão agora numa grave crise de dívida soberana, Portugal incluído.
Merkel foi uma das pessoas que tentou obrigar a União Europeia a fazer reformas estruturais ao nível das economias ocidentais, mas estas foram poucas ou mesmo nenhumas. Talvez desta vez, os banqueiros centrais se pareçam estar a lembrar dos princípios mais básicos daquilo que é a base da política monetária. Esta crise não poderá ser resolvida com uma nova emissão de dívida, pois isso só iria avolumar o problema.
Nos próximos tempos poderemos não ficar satisfeitos ao ouvir falar de congelamento de contas, uma vez que essa legislação já existe e permite a imposição de moratórias aos levantamentos bancários e resgate de ativos em massa. Foi aprovada discretamente pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu por proposta do BCE.
Muito têm os nossos governantes que fazer, mas parece que andam a discutir outras coisas e não se impõem medidas que evitem as falências de restaurantes, de pequenos negócios, bem como de setores inteiros da economia, assim como evitem o aumento desmesurado do crédito mal parado dos bancos. Tiremos a venda dos olhos!
Mas deixemos de olhar por momentos lá para fora e foquemos a nossa atenção cá dentro. Uma apresentação do Banco Central Europeu (BCE) num encontro de governadores dos bancos centrais do sistema demonstrou que as margens de lucros das empresas tinham aumentado, quando, por via do aumento dos custos, deveriam estar a diminuir. Perante isto, podemos concluir que as subidas de preço, que contribuem para o agravamento da taxa de inflação, estão a servir para aumentar os rendimentos das empresas à custa da perda de compra dos consumidores. É verdade isto? Irão manter-se as subidas desenfreadas de preços?
Os cabazes alimentares básicos estão a aumentar muito! A ASAE inspecionou vários super e hipermercados e verificou a inflação dos preços em diversos produtos alimentares. Ao mesmo tempo, o Governo reconhece que há “aumentos exagerados” nos preços dos bens essenciais e garante que está “atento” para identificar situações de especulação.
Fontes:
Qual é o problema de nos irmos habituando a ter uma doença crónica? É que vamos criando defesas, construindo muralhas que nos ajudam a suportar cada dia e gerindo a nossa rotina diária tendo em conta os tempos certos que precisamos para descansar e recuperar.
Quando de repente, algo quebra esta cadência o corpo dispara e a dor rasga por todos os lados. É quando achamos que tudo está melhor e baixamos a guarda que ela começa a atacar, primeiro de mansinho, contraindo os músculos, limitando os movimentos a um mínimo que se torne suportável e quando nos damos conta, todo o corpo está demasiado contraído para que seja possível mexermo-nos naturalmente.
Hoje foi um desses dias. A dor atingiu todas as articulações em simultâneo, cada tentativa de me mexer e de sair da cama atingia o meu corpo como se estivesse coberta de vidros ou de espinhos que me picavam a pele.
Deitada, o corpo tremia como se uma corrente de baixa voltagem passasse por ele e de tempos a tempos descargas dessa corrente me provocassem espasmos, movimentos involuntários e dolorosos seguidos de caibras nos músculos. O que se passou? Não faço ideia, mas sei que a origem esteve numa noite inteira acordada com uma possível gastroenterite. A medicação forte para as dores e os relaxantes musculares ajudaram na parte do alívio das dores mas não foram suficientes. Tomar doses maiores fez-me ficar a dormir o dia inteiro e não conseguir ir trabalhar.
Mas nos últimos dias esta crise esteve a espreitar, tentando encontrar um espacinho por onde eu a deixasse aparecer. Eu percebi isso, já as conheço bem, as malvadas gostam de brincar comigo mas eu já as domino, já as conheço bem para as deixar passar pelas minhas defesas. Então vieram os vómitos, as tonturas e o mau estar que me fez ficar em sobressalto a noite inteira até eu ter de me render e me deixar atacar por todo aquele fluxo de dor.
Tentei, sempre evitá-la, atrasá-la o mais possível para que coincidisse com o fim de semana e não me estragasse um dia de trabalho, mas desta vez não fui capaz. Antes assim a uma sexta...
O fim de semana chega e com ele o tempo de por em ordem as ideias e de refletir sobre os próximos passos que tenho de dar. Durante anos, batalhei por ter um diagnóstico e, mesmo sabendo que aquilo de que sofria era de uma doença que para alguns médicos nem existe, nunca baixei os braços. Na última consulta a minha médica de família lá cedeu e enviou um pedido de avaliação para o Instituto Português de Reumatologia, o qual pensavamos que demorava mais a ser atendido. Fui lá esta semana.
A médica rapidamente confirmou o diagnóstico de fibromialgia e disse que para ela era óbvio, encontrou facilmente os pontos de dor, os gatilhos. Estranhou o porquê de ter andado tanto tempo para me diagnosticarem algo que há muito se suspeitava o que era. Voltou a referir que tenho de fazer hidroginástica ou pilates clínico, mas isso para mim não é fácil - pelo menos não neste momento EM QUE ESTOU CHEIA de trabalho! Andar a pé é o máximo que agora tenho conseguido fazer e que mais se assemelha com desporto.
Em relação aos meus pulsos ela é a favor que eu seja operada e que isso me vai beneficiar bastante, mas sinceramente eu não fiquei convencida.
Agora terei nova consulta em maio e até lá tenho de manter a medicação (ela voltou a receitar-me duloxetina) e fazer exames.
Não muda nada, mas para mim muda muita coisa. Pelo menos sei que estou a ser seguida no sítio certo por uma pessoa experiente. Uma pessoa frontal mas que não me fez sentir diminuída.
Mas no fundo, aquilo que me tem irritado sempre é que ainda agora estou em casa, cheia de dores. A medicação que agora aumentou deixa-me cheia de sono e ainda não vejo melhoras (sei que irá demorar a me habituar) e que esperam de mim que enfrente tudo como se não fosse nada de mais. O pior não são as dores, mesmo assim, o pior é o cansaço, a falta de força e de ânimo.
Apesar de ser uma amante de livros, nem sempre tenho a oportunidade de ir à Feira do Livro. Este ano, foi diferente.
Escrevi um pequeno conto infantil, que foi editado através da editora Cordel de Prata e a minha ida foi combinada com eles para realizar a Sessão de autógrafos e a promoção do meu livro. Para começar, foi logo difícil combinar esta hora. Consegui uma quarta à noite e, felizmente, estava uma noite quente e bonita, com a feira cheia de gente a passear. Mas um dia de semana, não é bom para as vendas. Por outro lado, percebi que, embora em algumas bancas houvesse promoções e livros em destaque, cartazes e publicidade, eu ia para uma cadeira colocada virada para a rua, sem espaço para acolher as pessoas que eventualmente ali parassem. Ninguém me conhecia e mesmo com divulgação (feita apenas por mim nas minhas redes sociais), repito que uma noite de quarta não é boa para vendas.
Senti-me ali um pouco deslocada. Felizmente pude falar por breves momentos com uma rapariga que também tinha sido abordada como eu para editar o seu livro (pela mesma editora e que queria saber como tinha decorrido o processo comigo), por uma colega de trabalho (e Amiga!) que levou a família a passear e me foi dar o seu apoio (tão bom!) e por fim, com um casal que eu já não via pessoalmente há vários anos. Acabei por passar a hora de pé, acompanhada destas pessoas especiais que me forma propositadamente ver e dar o seu apoio, amizades recentes e antigas, mas que me fizeram sentir tão bem!
Da parte da editora, o apoio foi mínimo. Estar ali ou não, penso que para eles foi igual. Esperava outro acompanhamento - mas claro, se calhar se fosse alguém conhecido, tinha sido diferente. Existem muitos escritores como eu: ainda escrevemos muito mas editamos pouco. Existem muitos bons escritores no nosso país. Poucos têm dinheiro para continuar a publicar, porque é um processo moroso e dispendioso que nos leva a desistir.
Quando terminou a minha "hora" fui literalmente convidada a sair (uns minutos antes) porque os senhores começaram a baixar os estores - como aquelas pessoas que se fartam das visitas e começam a varrer a casa, sabem?
Peguei na bolsa e ia a sair, com a ideia de "agora vou eu às compras" quando caí na realidade: a Feira estava a fechar. Não comprei nada. E infelizmente, não sei se consigo lá regressar este ano. Fiquei trsite e desapontada. Felizmente, eu consigo encontrar bons livros em promoção noutros locais e acabo por ter a minha biblioteca bastante composta.
Se a edição do meu livro foi um sonho teornado realidade, a verdade é que além da satisfação pessoal, a sua saída trouxe-me muitas outras coisas boas. Uma delas foi a possibilidade de voltar a falar com algumas pessoas com as quais a vida me tinha feito perder o contato e, também, voltar a encontrar-me com alguns amigos.
A possibilidade de rever algumas pessoas, de ir entregar o livro em mão (na maioria das vezes ficava mais barato enviar por correio), com uma dedicatória, umas palavras pensadas em especial para aquela pessoa, tornam o momento em que o livro troca de mãos ainda mais especial. Não sei se dará vendas suficientes, mas já estou a ganhar com este retomar de relações que fui perdendo. As redes sociais trazem esta possibilidade, tanto na divulgação do próprio livro, como no reencontrar de pessoas, antigas colegas de curso, antigos colegas de trabalho, amigos que nunca deixaram de estar presentes, mas com os quais não falamos todos os dias.
Sou muito crítica em relação ao meu trabalho e com este meu livro não foi exceção. Para mim, há sempre algo a melhorar, algo que as pessoas não vão gostar.
Mas os comentários ao meu trabalho têm sido bons. Tenho ouvido e lido frases de motivação e de incentivo e, sobretudo, de surpresa. Quem me conhece bem, sabe que eu sempre gostei de escrever e que sempre escrevi muito.
Este passo da edição foi uma aventura, um risco grande que eu corri sozinha. Tinha de ser sozinha, sem ninguém das minhas relações que se envolvesse demasiado ou investisse no projeto. Se correr mal, terei de ser só eu.
Acordo. A madrugada ainda não deu lugar ao calor que se adivinha mas o meu corpo já não quer estar mais no aconchego dos lençois. Que se lixe. Tenho umas séries para ver, umas coisas para escrever e, se calhar, um café ajudava a começar a manhã. Faço o café, arrumo a loiça que deixei na máquina, ligo a tv. Volto para cima da cama. Tv ligada e o pc preparado para pôr em prática mais um exercício de escrita. É mais fácil escrever de madrugada. Antes dos outros problemas do dia começarem a chegar em rajadas e a deturpar-me as ideias e a vontade.
Ontem o dia não começou bem. Andei à procura da marcação para a consulta na Unidade da Dor, que estava marcada desde abril. Pensava que era às 11h. Encontro o papel, no meio de umas outras papeladas perdidas, são 9h43m. "Vou já sair e aproveito para ir beber café", olho para o papel que tenho na mão.
A consulta é às 10h. Estou atrasada. Saio de casa e pelo caminho vou mais uma vez pensando que tenho de ter calma, ouvir o que me vai ser dito, respirar e sair dali com calma, "vai ser só mais uma consulta". Minutos depois de entrar no gabinete, já estou a chorar. Perco de vez a calma e "que se lixe" hoje vou pôr tudo cá fora. Afinal, não tenho mais ninguém a quem me queixar! A médica volta a falar da minha postura e eu disparo que assim tenho menos dores, que ela me está a avaliar em dois minutos ali e que nas restantes horas e dias da minha vida sou apenas Eu sozinha a lidar com a dor, com a incapacidade, com o julgamento dos outros. Se é para me julgar também então não vim ali fazer nada. Ela pede autorização para me encaminhar para a psicóloga. Até que enfim, penso. É um direito que eu tenho, já tive consultas mas tive de as pagar do meu bolso.
Avançamos mais um pouco hoje. Depois de me ouvir, lá me avalia os pontos de dor e descobre os gatilhos. O toque dela parecem facas a perfurar-me a carne, uma facada de cada vez. Torço-me e as lágrimas caem em silêncio. Tento responder quando me faz perguntas mas as palavras estão turvas na minha mente. A dor ultrapassa já a vontade de falar. Só quero que ela me deixe sair dali.
Lá resolve fazer uma eco para me ver o ombro - surpresa, há ali qualquer coisa algures na acromioclavicular - informo que já sabia, que já esteve pior do que está agora. Já passaram alguns anos desde que fiz fisioterapia. Agora as dores estão piores porque me torceram o braço esta semana, tento explicar. Saio da consulta com mais uns comprimidos para tomar à noite que "ajudarão nas dores e a descansar", com indicação para não desistir da hidroginástica (que não faço) e para aguardar a chamada para o raio-x e para ir pedir à médica de família que me passe fisioterapia. Voltamos ao jogo do empurra e das burocracias. Pior se quero um relatório: iam ser duas páginas a explicar o processo e acho que quase será mais fácil ir doutorar-me em medicina primeiro - deve ser mais rápido.
Depois do almoço vou trabalhar. Enquanto estou sentada a preencher a folha de ponto, um dos meninos chega por trás de mim. Ele é autista, não sabe medir a força do aperto. Agarra-me a cabeça e o pescoço entre os seus braços e sufoca-me, aperta-me. Tento manter a calma, enquanto a minha colega tenta que ele afrouxe o aperto.
Os outros miúdos aproximam-se e tentam ajudar. Acho que tanta gente de volta dele só o faz apertar mais. Sei que só passaram uns segundos. Estou bem.
Não, não estou bem.
As dores disparam e o ombro, o braço, o pescoço parecem a escaldar. Foi o gatilho mais do que a força que ele colocou no aperto. Não entendi e enquanto tento voltar a respirar, chamam-no e levam-no para os pais que entretanto o vieram buscar. Hoje vão sair daqui sem saber o que ele me fez. Não tenho forças para lhes ir contar e a minha colega que o vai entregar não teve tempo de saber o que se passou. Ele não tem culpa. Eu tenho culpa de ter baixado a guarda e estar distraída a preencher um papel. Nem me apercebi da presença dele atrás de mim, ou se o vi, não o senti como uma ameaça. Ele não é ameaçador. Eu não tenho medo dele. Mas sentir-me agarrada e apertada faz despoletar em mim uma sensação de pânico. Passaram-se sete anos e ainda sinto que me estão a agarrar. Por momentos, aquela criança passou de ser apenas um rapaz, autista, para ser aquele outro que me agrediu naquela tarde e que nunca vou esquecer.
Tenho de respirar. O dia continua. As pessoas à minha volta continuam nas suas rotinas e não sabem o que se passou. Respondo sem pensar a algo que me perguntam e acusam-me de estar a "fazer aquele olhar", a "responder torto"... nem me lembro o que me perguntaram, não sei que olhar é que fiz. Por momentos, só me apetece sair dali. Deixem-me ir para casa por favor, é só o que estou a pensar naquele momento.
A tarde passa, aos poucos as coisas vão voltando ao normal. Saio do trabalho. Tenho várias coisas ainda para fazer e o meu filho lembra-me que tinhamos combinado ir ao Batuque. Quero ir. Deixei de ir porque tinha de recuperar. Já entendi que nunca vou estar completamente bem, então... que se lixe! Se amanhã não me mexer será porque estive a fazer algo prazeroso e não a chorar enroscada num canto. A dor esteve sempre ali, presente, como um ferro a escaldar encostado no ombro ou uma faca que de vez em quando me penetrada no braço, mas assim que a música arrancou eu fazia parte daquela bateria. Deixei-me ir, sem pensar num enredo que nunca tocara mas que segui durante mais de uma hora como se tivesse ensaiado dezenas de vezes.
Sete anos, desapareceram como se tivesse ensaiado na semana anterior. E o meu filho tentou estar ali, mostrou vontade de aprender, quis saber os nomes dos instrumentos e como se tocam. Diz que vai desfilar e então iremos os dois como fizemos antes. Criar memórias. Um dia ele vai lembrar-se de mim e de como eu e ele desfilavamos. Um dia ele vai saber que estivemos juntos e que ultrapassei muita coisa.
Hoje será igual, posso ter um dia bom ou mau. Posso ter dores ou não.
A dor crónica é a malvada que nos destrói sonhos. Mas eu vou pisá-la mais do que ela me vai pisar a mim.
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