Se nas escolas falamos do 25 de abril, a verdade é que a história não são só "cravos" e cantigas! O período que antecedeu a revolução foi muito marcante e ainda estão vivas muitas das pessoas que lutaram para que nós hoje pudéssemos ter liberdade. "O regime salazarista ficou marcado por ser antidemocrático, antiliberal, corporativista, colonialista e conservador."
De forma a contextualizar, é preciso recuarmos ao início do século XX. A 1ª República, implantada em 1910 após uma revolta que derrubou a Monarquia Constitucional Portuguesa não trouxe a desejada paz social para o país. Os problemas internos de Portugal foram agravados pelo envolvimento do país na Primeira Guerra Mundial. Na década de 1920, o discurso conservador e autoritário começou a ganhar força. A 28 de maio de 1926, um golpe militar derrubou o regime liberal-republicano. Chegava ao fim a 1ª República.
Nos dois meses que se seguiram, Portugal teve três chefes do Estado, embora nenhum tenha sido formalmente eleito: José Mendes Cabeçadas Júnior, Manuel Gomes da Costa e Óscar Carmona. Cada um representava uma fação diferente do golpe militar, não existindo projeto político nem consenso entre eles. A unanimidade restringira-se ao golpe e à vontade em mudar o rumo do regime republicano, mas quanto ao que viria a seguir, a divergência era a nota dominante.
Neste período de transição entre dois regimes (que correspondeu à Ditadura Militar, de 1926 e 1933), Óscar Carmona acabaria por assumir a liderança: com poderes efetivos de Chefe do Estado, desde julho de 1926, na sequência da deposição de Gomes da Costa, e por decreto desde 26 de novembro, tendo sido formalmente eleito em 25 de março de 1928, por sufrágio direto (restrito aos cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos).
A Constituição de 1933, embora formalmente estabelecesse um compromisso entre um estado democrático e um estado autoritário, permitiu que a praxis política conduzisse à rápida prevalência deste último. Os direitos e garantias individuais dos cidadãos previstos na Constituição, designadamente a liberdade de expressão, reunião e associação, serão regulados por "leis especiais".
A primeira Assembleia Nacional foi eleita em 1934 por sufrágio direto dos cidadãos maiores de 21 anos ou emancipados. Os analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a 100$00 e as mulheres eram admitidas a votar se possuidoras de curso especial, secundário ou superior. O direito de voto às mulheres já fora expressamente reconhecido pelo decreto 19 694 de 1931, embora com condições mais restritas que as previstas para os homens.
A capacidade eleitoral passiva determinava que podiam ser eleitos os eleitores que soubessem ler e escrever e que não estivessem sujeitos às inelegibilidade previstas na lei, onde se excluíam os "presos por delitos políticos" e "os que professem ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente, à disciplina social..."
Dado o apoio inicial que o Estado Novo recebeu por parte de alguns monárquicos e integralistas, a questão do regime manteve-se em aberto até 1950-1951. Reeleito sucessivamente, Óscar Carmona permaneceu na chefia do Estado até à sua morte, em 1951. O seu apoio foi essencial na ascensão política de António de Oliveira Salazar, contribuindo para a construção dos equilíbrios necessários para a perpetuação do regime, com consequente esvaziamento dos poderes do Presidente da República.
Apesar da oposição das Forças Armadas e do Ministro da Defesa Santos Costa a uma mudança de regime, com a morte do Presidente Óscar Carmona em 1951, a restauração da Monarquia chegou a ser proposta por Mário de Figueiredo e Cancela de Abreu, verificando-se então uma decisiva oposição à mudança por parte de Salazar, Marcello Caetano e Albino dos Reis.
Para suceder a Carmona, Salazar escolheu Francisco Craveiro Lopes, que acabaria por não ser reconduzido, na sequência dos contatos que manteve com os setores reformistas do regime. Foi o único Presidente do Estado Novo a cumprir apenas um mandato.
Nas eleições presidenciais de 1958, Américo Tomás acabaria por ser oficialmente eleito, apesar do terramoto político e social provocado pela candidatura de Humberto Delgado. Como consequência, em 1959 a Constituição foi alterada, modificando-se a forma de eleição do Presidente da República, que deixaria de ser por sufrágio direto para passar a ser feita por um colégio eleitoral restrito, formado pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e por representantes municipais. A partir desse momento, até ao fim do Estado Novo, as oposições ao regime deixariam de marcar presença nas campanhas eleitorais para a Presidência da República.
Salazar assumiu o cargo de Ministro das Finanças em 1928 e tornou-se, nessa função, uma figura preponderante no governo da Ditadura Militar. A Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcello Caetano (1933-1974) foram, conjuntamente, o mais longo regime autoritário na Europa Ocidental durante o séc. XX, estendendo-se por um período de 48 anos. O principal objetivo de Salazar era restabelecer a ordem e a estabilidade nacional. Ele defendia que iria continuar a Revolução Nacional enquanto houvesse no país uma única pessoa sem condições de vida aceitáveis. Com esta afirmação, ele revelou que não iria abandonar o poder.
O regime político-constitucional que vigorou durante o Estado Novo é considerado antiparlamentar e antipartidário, uma vez que o único partido político aceite pela força política, que na altura era responsável pela apresentação de candidaturas aos órgãos eletivos de poder, foi a União Nacional, sendo que os restantes foram ilegalizados, o mesmo aconteceu mais tarde com as associações políticas. Era permitida, em alguns atos eleitorais, a apresentação de listas não afetas à União Nacional, mas a sua existência era apenas consentida momentaneamente e era impossível a eleição de qualquer candidato dessas listas, pois a fraude eleitoral ou a repressão provocada pela polícia política (PIDE) provocava a desistência dos candidatos afetos a essas listas - ora porque se encontravam presos ora porque desistiam por falta de condições e medo.
A PIDE era uma polícia política repressiva, "omnipresente" e detentora de grande poder, que reprime qualquer oposição política ao regime, de acordo com critérios de seletividade pontual, nunca se responsabilizando por crimes de massas, ao contrário das suas congéneres italiana e alemã. A PIDE semeava o terror, o medo e o silêncio nos setores oposicionistas que fossem ativos na sociedade portuguesa, protegendo o regime de qualquer oposição organizada ou não e com visibilidade pública. Os opositores políticos mais ativistas eram interrogados e, aqueles que apoiavam ou pertenciam a organizações que defendiam a luta armada contra o Regime ou que tinham ligações às potências inimigas de Portugal eram muitas vezes torturados e detidos (Prisão de Peniche e Prisão de Caxias) e campos de concentração (Tarrafal, em Cabo Verde).
O regime apoia-se na propaganda política (fundando o Secretariado de Propaganda Nacional - SPN) para difundir "os bons costumes", a doutrina e a ideologia defendida pelo Estado Novo. Apoia-se nas organizações juvenis (Mocidade Portuguesa) para ensinar aos jovens a ideologia defendida pelo regime e ensiná-los a obedecer e a respeitar o líder.
Além da PIDE, o regime apoia-se também nas organizações paramilitares (Legião Portuguesa) para proteger o regime das ideologias oposicionistas, principalmente o comunismo.
Uma forte tutela sobre o movimento sindical, proibindo todos os sindicatos, excetuando aqueles controlados pelo Estado (os Sindicatos Nacionais), e procurando organizar os operários e os patrões de cada profissão em corporações, organizações controladas pelo Estado que pretendiam conciliar harmoniosamente os interesses do operariado e do patronato, prevenindo assim a luta de classes e a agitação social e protegendo os interesses/unidade da Nação (objetivo principal do regime).
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo conseguiu manter Portugal neutro deste conflito militar sangrento. Embora Salazar reconhecesse a sua admiração pelo Duce Italiano Benito Mussolini, "como católico, esclareceu que o Estado Novo obedecia a limitações de ordem moral que tornavam as leis portuguesas menos severas, os costumes menos policiados e o estado menos absoluto". Segundo Oliveira Salazar, não se revia na violência fascista que considerava não se adaptar "à brandura de costumes portugueses". Era também averso ao regime Nazi e aos ideais de Hitler, considerando que "uma vitória alemã seria um desastre para o estado de direito e para países periféricos, agrícolas, como Portugal." Aliás, em 1938, Salazar acaba por sair "em defesa dos judeus portugueses, dando instruções à embaixada na Alemanha, para que os interesses dos judeus portugueses sejam defendidos com diplomacia mas com muita firmeza." Apesar de, por receio de ações repressivas por parte da Alemanha, Salazar ter limitado o tempo de permanência dos judeus em território português, acabou por permitir "que muitas organizações Sionistas de apoio a estes judeus se estabelecessem e operassem" a partir de Portugal, sendo impossível "calcular com exactidão o número de refugiados que puderam beneficiar da neutralidade" de Portugal.
Mas esta política de neutralidade estava também relacionada com o receio de perder as suas colónias. A estratégia era proteger os "territórios ultramarinos que Portugal não podia defender de ataques militares" caso tivesse entrado em conflito com a Grã-Bretanha. Por outro lado, se tivesse entrado na guerra como apoiante dos ingleses, seria colocada "em risco a segurança de Portugal no continente." Assim, a "1de Setembro de 1939, no início da Segunda Guerra Mundial, o Governo Português anunciou que a Aliança Anglo-Portuguesa de 600 anos permaneceu intacta, mas que desde que os britânicos não procuraram ajuda portuguesa, Portugal ficou livre para permanecer neutro no país." No mesmo ano, em março, tinha sido estabelecido o Pacto Ibérico, ou seja, o "Tratado Luso-Espanhol de Amizade e Não Agressão". Isto impediu que a Espanha invadisse e ocupasse o nosso país.
Portugal acaba por participar em combates apenas em 1941, quando Timor-leste é invadido pelo Japão. "Apesar de nunca se estabelecer formalmente o estado de guerra entre Portugal e o Japão, militares e voluntários civis portugueses combatem ao lado das tropas australianas e holandesas contra os invasores japoneses. Na Austrália, é inclusive formada a primeira unidade militar paraquedista portuguesa, que é lançada na retaguarda das linhas japonesas, para realizar operações de guerrilha contra os invasores." No mesmo ano, com receio de uma invasão alemã, Salazar começa a reforçar os Açores, tendo em conta a manutenção da "soberania portuguesa" caso o país fosse atacado.
No entanto, em 1943, "a Inglaterra invoca a Aliança Luso-Britânica e Salazar concede o estabelecimento de bases militares Britânicas (mas não Americanas) nos Açores", o que leva os americanos a reinvindicar o acesso às bases localizadas no Atlântico. As negociações que se seguiram acabam por dar aos "Estados Unidos a utilização sem restrições da base aérea de Santa Maria", tendo Salazar conseguido "por parte dos Estados Unidos o compromisso formal de respeitarem a soberania portuguesa em todas as colónias portuguesas".
Devido ao desequilíbrio dos sistemas de produção da maioria dos países europeus, Portugal ficou privado de importações e isto causou o aumento da produção nacional, incentivado pelo regime. Durante boa parte do conflito, a balança comercial portuguesa manteve o seu saldo positivo, com as exportações a ultrapassarem as importações, facto que não se verificava desde há dezenas de anos, e que até à atualidade ainda não voltou a verificar-se. Portugal exportava predominantemente produtos têxteis, metais e volfrâmio para os países europeus em guerra. Com o objetivo de "manter a neutralidade portuguesa", Salazar viu-se obrigado, ao longo de todo o conflito, "a envolver-se em aturadas negociações políticas, militares e económicas."
Tal como refere Luisa Meireles, no Expresso, "Salazar ocupava-se de tudo e embrenhava-se com o mesmo zelo nas minudências do governo e da administração e nos altos dossiês do Estado, com um aparente prodigioso ritmo de trabalho."
Na década de 1950, começou a abrir a economia ao estrangeiro e permitiu a entrada regulada de capitais estrangeiros, desenvolvendo muito a economia (principalmente a indústria química e metalomecânica, o turismo, os transportes e o sector energético) e as infraestruturas, principalmente pontes, estradas e barragens. É também neste período (1959) que o nosso país entra como membro fundador na Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) que consistia num projeto alternativo à Comunidade Económica Europeia, liderado em larga medida pelo Reino Unido. Sairia da EFTA em 1986, altura em que passou a integrar as então Comunidades Europeias (hoje União Europeia).
Mas, na década de 1960, o País começou a sentir alguma instabilidade por causa da crescente ação dos opositores democráticos que iam se tornar cada vez mais fortes porque cada vez mais pessoas queriam a liberdade e, principalmente, o fim da Guerra do Ultramar (1961-1974), tendo o serviço militar obrigatório sido progressivamente alargado para um mínimo de dois anos de permanência na guerra nas colónias africanas.
Em 1968, na sequência da queda de Salazar de uma cadeira, que o deixa mentalmente diminuído, Marcelo Caetano é nomeado para a Presidência do Conselho de Ministros, passando o partido único a ser designado por Ação Nacional Popular, a partir de fevereiro de 1970, no V Congresso da União Nacional. Este foi realizado no Hotel Estoril Sol e é evocada no discurso de abertura de Albino dos Reis a figura de António de Oliveira Salazar, ex-presidente do Conselho de Ministros.
A Assembleia Nacional reuniria pela última vez, sem quórum, na manhã de 25 de Abril de 1974, data do derrube do Estado Novo pelo Movimento das Forças Armadas, que com imediata e vastíssima adesão popular, punha fim ao regime do Estado Novo que dominara o país durante quase meio século.
Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_Novo_(Portugal)
https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/EstadoNovo.aspx
https://www.museu.presidencia.pt/pt/conhecer/presidentes-da-republica-eleicao-e-funcoes/ditadura-militar-e-estado-novo-1926-1974/
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/abertura-do-5o-congresso-da-uniao-nacional-no-estoril/
https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/relacoesbilaterais/paises-geral/associacao-europeia-do-comercio-livre
https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal_na_Segunda_Guerra_Mundial
https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/salazarismo.htm
https://expresso.pt/cultura/salazar-em-alto-contraste=f883867