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Para aqueles que, como eu, não éramos ainda nascidos neste tempo, esta parece uma realidade longínqua. Ouvi falar das prisões políticas, das torturas e das mortes, mas não me lembro de, quando miúda ouvir contar as histórias das fugas e, essas, são também interessantes de se conhecer. 

Entre 1926 e 1974, foram mais de 30000, as pessoas que foram presas por razões políticas. A maioria delas, nunca tiveram direito a julgamento, ou chegaram sequer a ser indiciadas por qualquer crime em específico. Entregues à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (posteriormente chamada PIDE e, mais tarde DGS) foram em 1934, as cadeias do Aljube, as duas de Caxias, a de Peniche e a de Angra do Heroísmo (que seria depois substituída pelo campo do Tarrafal, em Cabo-Verde, que foi mandado abrir por Salazar em 1936).

Além das cadeias e da polícia militar, havia o tribunal político que julgava aquilo que o Regime achava estar contra a segurança do próprio Estado. Em 1932, numa das primeiras fugas do Aljube (hoje museu) evadiram-se seis detidos e morreu um GNR Nesta cadeia, localizavam-se os chamados "curros" - salas individuais, minúsculas, onde os detidos eram mantidos e vergados por interrogatórios violentos. 

Em maio de 1938, evade-se Francisco de Paula Oliveira (Pavel), que tinha sido capturado pela PVDE a 10 de Janeiro desse ano e que estava preso no Aljube, apenas por pertencer ao PCP. Pavel contou com "a ajuda de um enfermeiro da cadeia," que conheceu durante a sua estadia na enfermaria.

Em 1948, foi a vez de Palma Inácio. Este tinha sido preso por participar num ato de sabotagem, feito por "alguns oficiais da Força Aérea que, por aqueles anos, se insubordinaram contra a ordem ditatorial." Este ato contra o Regime, logo depois de terminada a 2ª Guerra Mundial, ficou conhecido pela “Abrilada de 1947”. Depois da fuga, a 16 de abril de 1948, Palma Inácio conseguiu expatriar-se para o Brasil, "agravando assim a sua condição de arguido. Daí em diante, nunca mais pôde regressar, a não ser que se sujeitasse a prisão, como de facto aconteceu por duas vezes."

Em 1957, dá-se outra fuga inesperada, que implicou um salto do 5º andar! "Américo de Sousa, Carlos Brito e Rolando Verdeal nunca teriam escolhido uma madrugada de sábado para domingo para fugir pelas grades e pelo beiral de um 5º andar da rua Augusto Rosa em Lisboa." Nessa noite, não se via vivalma, o que era normal visto que naquela época ninguém andava a passear por Lisboa durante a noite. 

Carlos Brito, tinha 23 anos quando, em outubro de 1956, foi preso pela segunda vez e colocado no Aljube para "interrogatório e tortura." Dali, os presos eram levados "à António Maria Cardoso" para serem torturados. “Era preciso resistir aos interrogatórios, não falar." Conta que foi só depois de terem saído dos curros para uma cela, da qual serraram as grades de ferro, com um serra que tinha vindo dissimulada numa prenda de anos. Para disfarçar os cortes, o estratagema usado foi "miolo de pão pintado com aguarela da cor das grades." Os guardas não desconfiaram. Num prédio ali perto, havia uma casa para alugar, que "Deolinda Franco," na altura mulher de Carlos Brito, visitou  na véspera da fuga. "Mostrou-se interessada em alugar a casa, fez perguntas, experimentou janelas ... e teve o cuidado de deixar uma aberta." Depois dos três fugitivos terem passados pelo buraco feito nas grades da janela, e terem descido por uma espécie de corda feita de lençóis, atravessaram em meias os telhados de outros dois edifícios até chegarem à "varanda do andar devoluto que Deolinda simulara querer arrendar."

Aí, arranjaram-se o cabelo, calçaram-se e saíram pela porta do prédio, como se fossem apenas um grupo de amigos, passando enquanto o "sentinela da Guarda Republicana que prestava serviço à entrada do Aljube" se encontrava a seguir na direção oposta. O carro, que deveria estar à espera do grupo, não apareceu e tiveram de se pôr a correr "até ao Largo da Graça," onde apanharam um táxi, "para a Rua da Escola Politécnica," que era perpendicular à rua onde ficava a casa de contacto, onmde chegaram por volta das quatro da manhã.

Estas foram apenas, algumas das muitas fugas organizadas por muitos "destes homens e mulheres, condenados a intermináveis períodos de prisão, tentar fugir era a única forma de reconquistar a liberdade e retomar a luta no exterior."

Fontes:

https://ensina.rtp.pt/artigo/fuga-prisoes-politicas-estado-novo/

https://expresso.pt/multimedia/2016-09-30-A-espantosa-fuga-da-mais-sinistra-cadeia-da-ditadura

https://www.museudoaljube.pt/wp-content/uploads/2024/01/2024_01_09_Fugir-das-Cadeias-da-Pide.pdf

 

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publicado às 12:42


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