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Naufrágio ao largo da Comporta

por Elsa Filipe, em 08.04.24

O nosso domingo acordou com a notícia de uma tragédia ao largo das praias oceânicas de Tróia. Pelas sete horas, o barco de pesca onde seguiam 5 pessoas fez-se ao mar. Segundo as declarações do timoneiro do barco, propriedade de uma empresa privada, depois de perceber que as condições do mar não seriam as mais apropriadas, tentou dar a volta e regressar a terra. Uma vaga de maiores dimensões, ao que diz o único sobrevivente confirmado até agora, fez o barco virar e projetou-os a todos para fora da embarcação. Ao que parece, só a criança levava colete salva-vidas. "Os dois irmãos, de 24 e 33 anos, e o homem com cerca de 40 anos, seguiam sem colete, sendo que o uso é obrigatório por lei nas atividades de pesca e fortemente recomendado pela Autoridade Marítima e pela Marinha sempre que se vai para o mar, como lembra o comandante José Sousa Luís, porta-voz da Autoridade Marítima e da Marinha."

O homem que trabalhava para a empresa e que conduzia a embarcação, conseguiu aguentar-se ao de cima de água, até por volta das 10 horas dessa manhã, ao que parece agarrado a uma bóia, até ser resgatado por um outro barco que ali passava. "À chegada a terra, o timoneiro explicou que a embarcação pertencia ao fundador do empreendimento Sol Tróia," afirmando ainda "que não conhecia os outros tripulantes e que iam fazer pesca desportiva na embarcação de recreio." 

Este homem, poderá vir a ser responsabilizado, uma vez que poderá ter havido aqui a ocorrência de um ou de mais crimes. Para efetuar essa averiguação, "foram instaurados dois inquéritos paralelos ao naufrágio: um inquérito criminal no Ministério Público e um processo marítimo pelo próprio Porto de Setúbal, com o objetivo de averiguar as condições em que o acidente ocorreu."

De acordo com o que Serrano Augusto afirmou, este processo marítimo pode resultar "numa contraordenação se houver alguma infração ao edital da capitania ou à lei geral". De acordo com o que referiu à comunicação social o "comandante José Sousa Luís, porta-voz da Autoridade Marítima e da Marinha," aquilo que se passa na prática é que "não existe um processo de registo da saída dos barcos dos respetivos portos." Segundo ele, é da responsabilidade de quem vai para o mar, “verificar as condições meteorológicas e oceanográficas, se a barra está aberta ou fechada, se está tudo ok com a embarcação, se têm o material segurança."

Quando ontem vi as imagens na televisão, uma das coisas que me saltou logo à vista é que, não pareciam estar muito longe da costa. O acidente ter-se-á dado apenas "a cerca de milha e meia (aproximadamente três quilómetros) de Tróia, Grândola (Setúbal)."

Seria ainda de noite, mas o sol não tardaria a despontar. Outra coisa que hoje em dia é muito mais fácil de perceber, do que seria há uns anos atrás, são as condições do mar. Pelas notícias dos últimos dias, têm sido feitas previsões que dão conta de agitação marítima. O vento também tem estado com rajadas bastante fortes. A diferença é que, a uma ou duas milhas da costa, o vento pode estar mais fraco ou mais forte, dependendo das frentes que se fazem sentir. A questão aqui, não seria tanto a de adivinhar como estaria o mar, mas sim, olhar para os instrumentos.

Hoje em dia, os satélites permitem imagens quase em tempo real e previsões muito mais corretas. A tecnologia trouxe mais segurança à vida do mar, embora, como em tudo, os acidentes possam acontecer. Quem tripula uma embarcação, sabe que não controla todas as variantes. Hoje em dia, sair para o mar embora ainda possa ser uma "aventura" com vários perigos associados, é muito mais seguro do que era antes, uma vez que existem mapas de satélite, existem boletins marítimos, existem gráficos que nos informam a direção e a predominância do vento e das ondas, dos diferentes tipos de correntes. Pode, claro que sim, pode ter sido apenas um trágico acidente, mas quais e quantos destes recursos, é que foi avaliado antes de se sair do cais?

O mar, esse é traiçoeiro. No mais calmo mar, pode vir uma vaga maior e derrubar uma embarcação de grandes dimensões. Uma onda mais forte, faz deste tipo de barquinhos, um brinquedo. Parece que foi um "golpe de mar" aquilo que aconteceu. Um golpe de mar é quando uma vaga maior, com um pico acima da média restante, se ergue "no meio do nada" e o perigo está, precisamente, na sua imprevisibilidade. Mas aqui está a incoerência. Quando se dá uma destas ondas inusitadas, há um mar mais calmo, que depois desta onda maior, volta a ficar mais calmo. O que diz o timoneiro, não bate certo, com esta história do "golpe de mar" (ou então quem a notíciou não usou o termo correto), uma vez que aquilo que disse foi que "o mar estava muito forte e que não conseguiu ver nenhuma das outras pessoas que se encontravam a bordo" (depois de terem caído todos ao mar).

Mas, não sei, a mim parece-me que não era um mar calmo, aquele que estava àquela hora da madrugada quando saíram. Havia tanto vento em terra, não haveria também no mar (sendo que aqui, falamos perto da costa, a uma distância de cerca de três quilómetros)? Durante as noites anteriores tinha estado bastante vento e o mar tem estado agitado. Para um barco maior, poderá não fazer diferença, mas para este tipo de embarcações de recreio, vagas ligeiramente maiores, podem fazer grandes estragos.

Para mim e acredito que para muita gente, isto não nos diz nada, mas para quem tem um barco nas mãos, estas informações não são apenas factos generalistas. O meu avô não sabia uma letra do tamanho de um comboio, mas bastava-lhe abrir a janela e sentir o cheiro do vento para saber se o barco ia ou não ao mar. A quem conhece o mar, até a posição das aves quando se ajeitam para dormir, lhes dá sinais importantes se está prestes a chegar uma tempestade, se os ventos estão a aumentar ou se vem trovoada. A esta sentia-a na pele e no cheiro do ar, que dizia estar "carregado."

Hoje em dia, basta ligar o telemóvel ou um simples computador e entrar no site do IPMA ou do ECMWF (onde temos mapas dinâmicos muito interessantes). Hoje em dia a meteorologia é uma ciência bastante desenvolvida que, apesar de ser influenciada por um grande número de variáveis, é hoje em dia muito fiável (de certeza bem mais fiável do que o nariz do meu avô).

Outra a coisa que a mim me surpreende é a demora na colocação de um heli no ar. O naufrágio foi reportado pouco depois das dez da manhã, mas só "por volta das 13:10, Serrano Augusto indicou que estava a chegar ao local um helicóptero Koala da Força Aérea Portuguesa (FAP) para participar nas buscas." 

Os corpos do menino, que se sabe tinha apenas 11 anos, e de um dos outros ocupantes, foram encontrados e recuperados durante o dia de ontem, faltando ainda encontrar dois dos ocupantes. E aqui a palavra correta é mesmo "recuperar" uma vez que quando falamos em ocorrências que envolvam vítimas de naufrágios e falamos em vivos, estes são resgatados, quando se fala em corpos, estes são recuperados. É que ontem, ao mudar de canal e ouvir uma jornalista dizer "o menino foi resgatado" o meu coração pulou de alegria, até perceber que afinal, não foi o menino que foi resgatado, foi o seu corpo que foi recuperado. Não é a mesma coisa e devia haver mais cuidado da parte dos jornalistas que dizem certas coisas.

Fontes:

https://www.ipma.pt/pt/maritima/boletins/

https://www.ecmwf.int/

https://observador.pt/2024/04/07/troia-um-barco-de-pesca-naufragou-uma-crianca-e-um-homem-morreram-e-dois-estao-ainda-desaparecidos/

https://tvi.iol.pt/noticias/naufragio/troia/embarcacao-afundou-completamente-homem-resgatado-do-mar-era-o-timoneiro-e-tem-62-anos/20240407/66129a56d34ebf9bbb3c28ab

https://tvi.iol.pt/noticias/troia/naufragio/um-golpe-de-mar-que-acabou-em-tragedia-foi-isto-que-aconteceu-no-naufragio-ao-largo-de-troia/20240408/6613d7dcd34e0498921f802f

 

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