A 1 de julho de 1922, o Teatro Maria Vitória, aquele que é o mais antigo do Parque Mayer, e que ficou conhecido como a "Catedral da Revista", fez a sua primeira estreia com a peça "Lua Nova," da autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos. A peça do género teatro de revista, fazia uma retrospetiva, "em jeito de piada, dos principais acontecimentos do ano anterior."
Na fachada do novo Teatro de Lisboa, o nome "Maria Vitória" imortaliza a jovem fadista e atriz de apenas 26 anos que com a sua voz forte já era um sucesso na capital e no país. A jovem, conhecida, entre outros com o "fado do 31", tornou-se uma lenda e ainda hoje é lembrada.
"O Parque Mayer surge como uma tentativa de revitalizar as tradicionais feiras itinerantes que, no início do século XX, eram pontos de entretenimento para os lisboetas - desde a conhecida Feira de Agosto, no parque Eduardo VII, à Feira de Santos, que foi proibida em 1919 devido à instabilidade noturna."
Mas no palco do Maria Vitória não passou só revista. Ali também era "possível assistir a comédias musicadas, operetas - como “Quebra-Bilhas” (1930) e as “Lavadeiras” (1933) - ou à proclamação de poemas." Algumas das revistas com mais destaque da sua história, foram "as revistas Foot-ball e Rataplan. Nesta, contava-se a "história de Artur Alves dos Reis, um burlão que falsificava notas de 500 escudos quase impercetíveis aos olhos dos especialistas de contrafação."
Foram muitos os nomes que se estrearam ou que passaram pelas tábuas do Maria Vitória, entre eles, Amália Rodrigues, que também ali se estreou em 1940, na revista “Ora Vai Tu." E ali conheceu "o compositor Frederico Valério." Também aqui se estreou Io Appolloni, em 1965, na revista “Sopa de Mel." Marina Mota, Carlos Cunha e Fernando Mendes também ali se lançaram.
O que fez do teatro de revista um género não só do povo, mas também de todas as classes sociais, foi desde sempre a forma como retratava a verdade do país. E também por isso, sofreu as agruras da ditadura. "Quando, a 28 de maio de 1926, o golpe de Estado liderado pelo general Gomes da Costa proclama o início da segunda República Portuguesa - mais conhecida como Estado Novo -, a revista Ás de Espadas cantou o movimento militar. A população estava habituada a revoluções constantes desde a implantação da República, em 1910, e desvalorizou a importância de mais um movimento militar."
Já calada com a "Lei da rolha" que sentiu durante a monarquia, a Revista vem então a sentir os cortes da Censura, nos seus textos. Mesmo assim, é com muita arte, que se continua a fintar muitos dos cortes do "lápis azul."
Na revista “O Banzé”, em 1939, tem disso um bom exemplo. Posta em cena logo depois da "declaração de guerra à Alemanha que daria início à II Guerra Mundial, tinha um quadro onde a “Taberna Inglesa”, o “Hotel França” e a “Casa Alemã” disputavam entre si a "anexação de um armazém." Nunca chegou a subir ao palco devido aos cortes efetuados pela censura.
Era preciso ter um selo branco que aprovasse cada uma das páginas do guião, o que tornava o "processo de produção de uma revista" já de si complexo, ainda mais difícil e demorado. A Comissão da Censura "analisava a escrita e cortava palavras, falas ou até mesmo números inteiros. Os empresários iam buscar os guiões, apresentavam aditamentos e correções, num vai e vem que não tinha fim à vista."
Mas também tinham vários truques para escapar aos censores. Um deles eram os "trocadilhos" que faziam parte dos textos, que com muita imaginação e inteligência, conseguiam "ludibriar os censores." Além dos truques para enganar a PIDE, no Maria Vitória havia um camarote - o cinco - que "estava sempre reservado para receber os censores ou outros representantes do Estado Novo que, para o ocuparem," precisavam de mostrar na entrada o respetivo cartão ao fiscal. Assim, se esse camarote estivesse ocupado, os atores já sabiam que a PIDE lá estava e, claro, reprimiam um pouco mais algumas piadas. Foi no teatro que se denunciou a "independência da Guiné." A revista, afinal de contas, era "uma forma de cultura expressiva, já completamente entrosada no país desde meados do século XIX" e, por isso, não era proibida.
Na madrugada de 25 de abril, o Maria Vitória era o único palco com espetáculo a decorrer no Parque. Enquanto na Rádio Renascença, a música "Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, tocava, via-se ainda no Maria Vitória a revista “Ver, Ouvir e Calar”, que tinha sido "escrita por Aníbal Nazaré, Henrique Santana e Henrique Parreirão" e que depois se passou a chamar "Ver, Ouvir e Falar" fazendo jus ao espírito revolucionário. A revista “Até Parece Mentira” foi a primeira revista criada para o palco do "Maria Vitória em tempo de liberdade."
No dia 10 de maio de 1986, um incêndio deflagrou no Maria Vitória e destruiu o teatro. A companhia do Maria Vitória continuou o seu trabalho, mas durante esse período fê-lo no teatro Maria Matos e "só regressou a casa em 1990" quando as obras terminaram e foi permida a estreia da "revista Vitória! Vitória!."
Atualmente, Hélder Freire Costa, nascido "nas Janelas Verdes," em 1941 é "o último a resistir", contando já com 55 anos no Maria Vitória. Reclama que aquela casa, está a precisar de obras, mas que já não lhe caberá a ele fazê-las.
Fontes:
https://sdistribution.impresa.pt/data/content/binaries/5e5/409/e112e0b6-7282-49bd-ad89-a46d94681ead/
https://amensagem.pt/2022/06/14/helder-freire-costa-ultimo-empresario-teatro-maria-vitoria-centenario-parque-mayer/