Escrever é algo que me apraz. Ante a minha vontade de criar, muitas vezes me falta tempo. Aqui passo da vontade à prática. Este é um caderno onde escrevo sobre a minha vida pessoal e temas da atualidade que me fazem refletir.
Escrever é algo que me apraz. Ante a minha vontade de criar, muitas vezes me falta tempo. Aqui passo da vontade à prática. Este é um caderno onde escrevo sobre a minha vida pessoal e temas da atualidade que me fazem refletir.
Quase sem derramamento de sangue, assim se fez a conhecida Revolução dos Cravos. Bem, não terá sido bem assim, pois terão existido alguns mortos e feridos.
Este dia ficou na verdade marcado pelo desaparecimento de cinco pessoas. Foram baleados cerca das 20 horas e 10 minutos do dia 25 de Abril, por balas disparadas a partir da sede da Direcção-Geral de Segurança, na Rua António Maria Cardoso, n.º 20. Ao que se sabe, saíram do lugar onde dormiram com o entusiasmo próprio dos que sentem viver um momento histórico, quem sabe um instante decisivo das suas vidas, do seu futuro. Foram entusiasmados para o Chiado, lugar simbólico do Regime. Muitas dezenas de pessoas, talvez centenas, tiveram exactamente a mesma ideia que estes homens, jovens, à medida que corria a manhã e se multiplicavam as notícias na rádio e na RTP (tomadas de assalto pelas forças revolucionárias), foram chegando homens e mulheres com vontade de fazer justiça ou de ver a justiça ser feita contra os polícias políticos responsáveis pelas maiores barbaridades do século XX português.
Os elementos da PIDE dispararam indiscriminadamente, com intuito de matar uns tantos, para assustar os que estivessem no cerco, para fazer o que fosse preciso e prepararem um plano de fuga.
Vários populares caíram. Todos correram para um lado e para o outro da rua. Quem lá esteve fala de gritos, pânico, confusão. Os tiros continuaram durante longos segundos, a maioria foram disparados para o ar, mas muita gente ficou no chão, ferida.
Fernando Carvalho Giesteira, era natural de Montalegre, tinha 17 anos e era empregado de mesa da boîteCova da Onça, e vivia na Pensão Flor, ao Areeiro.
José James Harteley Barneto, de 38 anos, casado, pai de quatro filhos, natural de Vendas Novas, escriturário do Grémio Nacional dos Industriais de Confeitaria, morador na Avenida João Branco Núncio, n.º 7, 1.º andar, na Flamenga. Deixou quatro filhos.
João Guilherme Rego Arruda, de 20 anos, natural dos Açores, estudante do segundo ano de Filosofia, morador na Avenida Casal Ribeiro, n.º 21, 5.º andar.
Na manhã seguinte, as televisões filmaram o sangue espalhado no chão e as marcas de balas nos automóveis e, dias mais tarde, exibiram imagens dos funerais das vítimas, a que compareceram muitos cidadãos anónimos.
Às centenas, os populares iam acompanhando a queda do último bastião do regime, desrespeitando os repetidos apelos do Movimento das Forças Armadas para que permanecessem nas suas casas. A PIDE/DGS na Rua António Maria Cardoso, nunca foi um alvo prioritário, pois segundo terá afirmado Salgueiro Maia, pouco sabiam sobre os meios de que a PIDE dispunha. De facto, houve relatos de elementos da PIDE posicionados nos telhados, armados, com intenção de alvejar a população e os militares nas ruas. Outros relatos afirmam que o MFA não tinha os meios necessários para, além de derrubar o governo, atacar também a António Maria Cardoso, uma vez que alguns dos Regimentos e Companhias desistiram no último instante.
Terá sido esta a causa das mortes, a grande confusão ali criada e a vontade do povo em invadir a sede da DGS?
Uma outra vítima mortal, foi o servente António Lage, de 32 anos, que ocupava o escalão mais baixo na estrutura hierárquica da Direcção-Geral de Segurança e que não exercia funções policiais. Foi baleado às 21h25 quando saía da sede da corporação e, provavelmente aterrorizado pelos populares, tentou escapar a correr num momento de pânico. Dizem que já estava detido e que se terá assustado com os gritos da população que dava "ordens" para que fosse morto. Alguém cumpriu a vontade da população.
A 26 de abril de 1974, ali bem perto daquela rua, em plena baixa lisboeta, uma confusão leva os militares a disparar contra uma coluna de carros da PSP, por acharem que os agentes iam investir contra os manifestantes, no Largo Camões, em Lisboa.Manuel Cândido Martins Costa, 25 anos, polícia de choque, foi fatalmente atingido nos pulmões.
São heróis esquecidos do 25 de Abril, talvez os mais esquecidos, pois, para todos os efeitos, na Revolução não houve vítimas, apenas cravos em espingardas que nunca dispararam. Foram mártires, involuntários e não aparecem nos livros escolares.Poucos não é igual a zero.
Até hoje, a identidade dos assassinos destas seis pessoas permanece uma incógnita. Muitos outros terão morrido na libertação das colónias. A liberdade, embora tenha tido um preço e seja necessário salvaguardar sempre a verdade, é nossa. Não a deixemos voltar a cair!
Um pouco antes das 23h de um dia 24 como o de hoje, ouve-se na rádio a canção "E depois do Adeus"... mais tarde, já na madrugada de 25 de abril, é a voz de José Afonso que ecoa nos rádios com "Grândola, Vila Morena". Outras canções, antes da revolução cantavam gritos de revolta e brilhavam os olhos dos seus intérpretes quando conseguiam dizer aquelas letras ludibriando quem os queria calar.
Hoje estamos em casa, por causa de uma pandemia e até parece que não temos liberdade. De certa forma, estamos um pouco presos mas não as nossas mentes, tal como não estavam presas as mentes daqueles que usaram as palavras e a escrita como gritos de revolta e rasgar de amarras. É sobre esses que hoje vos venho escrever.
A palavra escrita podia comprometer o regime e a imagem que dele os portugueses tinham e por isso, muitos livros foram proibidos, muitos jornais nunca chegaram a ver a luz do dia e muitas informações foram caladas.Portugal, viveu durante 48 anos, na escuridão. A escuridão da mente que não podia abrir-se ao mundo mas também a escuridão daqueles que às escondidas, iam escrevendo artigos de propaganda contra o regime, poemas - tantos hoje cantados - com coisas que não podiam ser ditas. Falemos hoje livremente de livros proibidos e de autores que alguns quiseram que nunca fossem lidos!
A política de Salazar e de Marcello Caetano, era feita de silêncios, de calar tudo o que fosse considerado “propaganda subversiva”. Os jornais, as revistas, os livros e outras manifestações culturais, eram cortados previamente ou simplesmente proibidos. Fugir ao lápis azul, passou a ser uma arte construída em subtilezas e truques para iludir a vigilância policial. E uma forma de resistir sem liberdade de expressão.
A censura era uma arma do Estado Novo! Produziu mais de 10.000 relatórios de leitura aos livros de autores portugueses, lusófonos e não-lusófonos, em edição original ou tradução, que entravam e circulavam em território nacional.
Centenas de obras foram proibidas. Falamos em cerca de 900 títulos identificados como tendo sido proibidos pela ditadura entre 1933 e 1974. o primeiro livro objeto da fúria censora da ditadura do Estado Novo foi A obra intangível do Dr. Oliveira Salazar, de Cunha Leal, que chefiou um governo na I República e chegou a apoiar o golpe de 28 de maio de 1926.
Os autores eram acusados de serem imorais, pornográficos, comunistas, irreligiosos, subversivos, maus, antissociais, dissolventes, anarquistas ou revolucionários, os livros examinados pela Censura abrangem áreas como as artes plásticas, ciências naturais, ciência política, economia, educação, geografia, filosofia, história, literatura, música, sociologia, religião, entre outras. A Censura acabou por proibir especialmente as obras marxistas-leninistas, eróticas ou de educação sexual. Nas décadas de 1940 e 50 proibiu-se a literatura neorrealista.
Da lista negra de autores portugueses faziam parte Urbano Tavares Rodrigues, Miguel Torga, Alves Redol, Natália Correia, Herberto Hélder, Aquilino Ribeiro, Vergílio Ferreira, entre outros. O autor mais proibido misturava em doses bem medidas um humor brejeiro, a sátira política e o erotismo do seu desenho que indispunham os censores, o que os levou a apreender 29 obras de José Vilhena, humorista que depois do 25 de Abril publicaria o título Gaiola Aberta. Os outros dois autores mais proibidos são Roy Harvey (15 obras), pseudónimo literário de José Ferreira Marques, e Tomás de Fonseca (14), cujo militantismo republicano e anticlerical lhe valeu a perseguição do lápis azul. O quarto autor mais visado é Urbano Tavares Rodrigues, jornalista e escritor, militante do PCP, que viu sete livros serem proibidos.
Com um número muito menor de livros, estão as mulheres. Sem dúvida, fruto da parca escolarização a que as meninas tinham acesso e ao poder que os homens tinham sobre as mulheres, conseguindo em muitas casas, castrar-lhes o pensamento. Daquelas que o conseguiram fazer, poucas chegaram até aos nossos dias. No caso de Maria Archer, a ação da censura terá tido um peso tão grande que a autora perdeu o seu meio de subsistência, tendo de viver mais de duas décadas fora de Portugal. Para além disso, a sua obra sofreu danos irreversíveis pois ela teve de ser alterada de forma a poder passar ilesa pela mão dos censores. Tem havido algumas tentativas de recuperação da sua obra – e, consequentemente, do seu lugar na história literária –, mas estas têm sido insuficientes para que seja conhecida pelo grande público.
Carmen de Figueiredo foi censurada pela inclusão, na estrutura da narrativa, de descrições sexuais. Nita Clímaco, com a sua escrita fez contrastar Portugal, pobre, iminentemente rural, culturalmente tacanho, a França, moderna, culturalmente viva. No entanto, essa modernidade acaba por ser apresentada como uma devassidão moral pela censura.
Natália Correia, mais conhecida e até estudada nos nossos dias, também foi impedida de ser lida mas, a verdade é que esta veio não só a reeditar algumas das suas obras depois do 25 de Abril mas também a tornar-se num dos nomes mais proeminentes da cultura portuguesa nas décadas seguintes. A sua obra foi premiada e reeditada várias vezes.
Nos estrangeiros apareciam Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e todos os que defendessem a ideologia marxista.
Recomendo que oiçam a entrevista feita por Teresa Nicolau, João Martins e Paulo Nunes (RTP -2014).