A emoção desponta quando começo a tentar escrever sobre a participação das crianças na guerra. Podia estar apenas a falar sobre mais um ataque à bomba, o que infelizmente só por si já seria muito mau, mas ainda o ano vai no princípio e já quase que se está a tornar banal verem-se imagens de pessoas mortas no chão e outras a correr no meio do pó e da destruição.
Mas dá-se um nó, um aprto no peito enquanto as lágrimas tentam ganhar caminho... são as imagens de crianças que aprendem a usar armas que me estão a colocar um nó dentro do peito. É revoltante aquilo que se está a fazer com todos aqueles rapazes, que deviam estar a brincar com carrinhos, a correr atrás de uma bola e não a usar armas de fogo! Mas os factos estão diante dos nossos olhos, todos os dias, na televisão ou na internet.
Começo por falar do Afeganistão, onde os meninos aprendem as "leis" do Estado Islâmico. Praticamente derrotado na Síria e no Iraque (ou pelo menos assim nos querem fazer crer), o auto-denominado grupo terrorista "Estado Islâmico" segue firme no Afeganistão, onde uma série de atentados ao longo dos últimos 18 meses deixou centenas de mortos.
Quando em 2014, as tropas da NATO começaram a deixar o Afeganistão, o Estado Islâmico levantou sobre a população a sua mão pesada, fazendo-se sentir através de ações do grupo EI-K (como se autodenomina o grupo local). Em meados de 2015, a ONU alertou que este grupo já estava presente em 25 das 34 províncias. E as crianças, que deveriam estar a ser protegidas, são as que mais sofrem neste conflito.
Em julho de 2016, o grupo El-K chegou a Cabul. O primeiro ataque na capital afegã foi um dos mais mortais já executados na cidade. Duas explosões atingiram membros do grupo étnico xiita hazara, matando cerca de 85 pessoas e ferindo mais de 400. E sabiam que só no Afeganistão, quase 700 crianças foram mortas nos primeiros 9 meses do ano passado?
Mas infelizmente, não acontece apenas no Afeganistão. Em zonas de conflito por todo o mundo, as crianças tornaram-se alvos de primeira linha. São usadas como escudos humanos, mortas, mutiladas ou recrutadas para combater. Violações, casamentos forçados, raptos e escravatura tornaram-se tácticas recorrentes em todos estes conflitos, desde o Iraque ao Sudão do Sul, passando pela Síria, Iémen, Nigéria ou Myanmar.
Em alguns contextos, as crianças raptadas por grupos extremistas são abusadas e quando libertadas são novamente detidas por forças de segurança. Milhões de crianças estão a pagar o preço destes conflitos: sofrem de má nutrição, de doenças e ficam para sempre com traumas graves. Os serviços básicos são-lhes negados – incluindo o acesso a comida, água, saneamento e serviços de saúde – danificados ou destruídos pelos confrontos.
Segundo dados divulgados pela UNICEF, pelo menos 5000 crianças foram mortas ou ficaram feridas no Iémen, durante os cerca de 1000 dias de confrontos. No entanto, estima-se que os números reais sejam muito mais elevados! No total, cerca de 1,8 milhões de crianças sofrem de má nutrição – das quais 385000 estão gravemente malnutridas e em risco de morrer se não forem tratadas com urgência.
No Iraque e na Síria, crianças têm sido usadas como escudos humanos. Ficam presas em zonas cercadas e acabam por ser alvo de atiradores furtivos, além de serem atingidas por bombardeamentos intensos. A violência está presente e é visível na forma como interagem socialmente umas com as outras - não aprendem a brincar, aprendem a sobreviver e isso implica lutar e, nalguns casos, até matar.
Na região do Kasai da República Democrática do Congo, a violência obrigou 850000 crianças a abandonarem as suas casas, numa região onde mais de 200 unidades de saúde e 400 escolas foram atacadas e destruídas. Um total estimado de 350000 crianças são vítimas de má nutrição aguda severa.
Em Myanmar, as crianças Rohingya sofrerem e testemunharam casos chocantes de violência generalizada, sendo atacadas e obrigadas a abandonar as suas casas no estado de Rakhine, enquanto outras crianças em zonas fronteiriças remotas dos estados de Kachin, Shan e Kayin continuam a sofrer as consequências das tensões entre as forças armadas do Myanmar e vários grupos étnicos armados.
No nordeste da Nigéria e nos Camarões, o Boko Haramterá recorrido a pelo menos 135 crianças como bombistas suicídas - quase cinco vezes mais do que em 2016. Na República Central Africana, depois de meses de novos confrontos, registou-se um aumento dramático dos níveis de violência com crianças a serem mortas, violadas, raptadas e recrutadas por grupos armados.
Na Somália, foram reportados 1740 casos de recrutamento de crianças nos primeiros dez meses de 2017 - estes são aqueles dos quais se sabem. No Sudão do Sul, onde o conflito e a economia em colapso levaram à declaração de fome em algumas partes do país, mais de 19000 crianças terão sido recrutadas por forças e grupos armados e mais de 2300 crianças acabaram mortas ou gravemente feridas desde o início do conflito em dezembro de 2013.
A UNICEF apela a todas as partes envolvidas em conflitos que cumpram com as suas obrigações decorrentes da legislação internacional para que cessem imediatamente todo e qualquer tipo de violação contra as crianças, assim como os ataques contra infra-estruturas civis, incluindo escolas e hospitais.
Fontes:
https://www.dw.com/pt-br/estado-isl%C3%A2mico-sobrevive-no-afeganist%C3%A3o/a-42117855
https://www.plataformaongd.pt/noticias/numero-de-criancas-sob-ataque-nunca-foi-tao-elevado